“Tribo rato”: a vida sob a terra dos trabalhadores emigrantes em Pequim
Sara Díaz.
Pequim, 3 ago (EFE).- A busca por uma vida melhor fez o jovem Iuane deixar sua cidade natal para se mudar para Pequim, onde alugou um dos porões que compõem a rede subterrânea da capital chinesa, e passou a fazer parte da “tribo rato”, formada por emigrantes que vivem no subsolo por um aluguel barato.
“Procura-se inquilino para um porão de 8 metros quadrados no distrito de Dongcheng. Sem banheiro e sem sala. Preço 700 iuanes (R$ 380) por mês”, diz um anúncio no “58 tong cheng”, um site chinês de busca de alojamento.
O preço do aluguel varia dependendo do espaço, mas também, por exemplo, da proximidade da casa com o metrô.
Apesar de ser ilegal, muitos cidadãos escolhem viver nestas condições para evitar uma viagem longa a seu local de trabalho, inclusive se as condições higiênicas nestas residências forem ruins e com instalações comuns compartilhadas.
Iuane é um dos emigrantes chineses que vivem debaixo do solo e aos quais os meios de comunicação chineses batizaram como “tribo rato”, pessoas que vivem no subsolo em uma rede de porões e antigos refúgios antiaéreos na capital chinesa.
Trata-se de trabalhadores emigrantes que não podem ter um imóvel básico e que, sem a permissão de residência oficial conhecida como “hukou”, não têm acesso às casas sociais oferecidas pelo governo chinês e nem aos mesmos direitos que desfrutam os pequineses, como saúde e educação.
O “hukou” é um registro civil introduzido por Mao Tsé-tung na década de 1950 para impedir a avalanche de emigrantes nas cidades e que divide a população em cidadãos urbanos e rurais, pelos quais estes últimos perdem seus direitos de se mudar para cidade grande.
A história de Iuane, cujo nome real prefere manter no anonimato, começou em 2011, quando decidiu se mudar da província de Lianoning (nordeste) à capital chinesa para conseguir um bom trabalho e economizar dinheiro, segundo relatou em entrevista à Agência Efe.
Este jovem de 23 anos trabalhou durante dois anos em um fábrica na periferia de Pequim, até que em 2013 encontrou outro emprego no centro da cidade em uma companhia de comércio eletrônico.
“O aluguel no centro era caro, portanto optei por viver em um porão perto da minha companhia que me custava 300 iuanes (R$ 165) por mês”, relatou Iuane, que esclareceu que mantinha boa relação com seus vizinhos e estava muito cômodo neste entorno.
“Havia cerca de 80 quartos de 10 metros quadrados e todos pertenciam ao mesmo proprietário. Suponho que 200 pessoas viviam em quartos subterrâneos”, acrescentou.
Nenhuma das pessoas que compõem a comunidade de Iuane é pequinesa. Alguns são estudantes, mas a maioria de emigrantes fugiu pela falta de possibilidades trabalhistas em suas províncias.
Os dados oficiais indicam que pode haver um milhão de pessoas vivendo em porões da capital chinesa. No começo deste ano, os meios de comunicação estatais informaram que 120 mil pessoas tinham sido desalojadas de suas residências subterrâneas na capital chinesa.
“As condições higiênicas não estão ruins”. Segundo narrou o jovem, uma mulher limpava todos os dias as áreas comuns assim como os banheiros masculinos e femininos, dotados com cinco privadas e cinco chuveiros cada um.
Devido à política oficial de desalojar os porões, especialmente por risco de incêndio neste caso, o proprietário obrigou que os inquilinos se mudassem, razão pela qual Iuane se transferiu a um apartamento compartilhado com outros trabalhadores.
A origem destas casas remonta à época da Guerra Fria (1953-1962), quando o governo chinês obrigou a incorporar refúgios antiaéreos na construção de novos edifícios residenciais.
Encorajados pelas reformas econômicas de Deng Xiaoping, os trabalhadores rurais migraram à cidade, atraídos principalmente por maiores salários e melhor qualidade de vida, motivo pelo qual o governo permitiu o uso destes refúgios como residências até 2010. EFE
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