Trotes universitários: Tortura para uns, tradição para outros
Antonio Torres del Cerro.
Lisboa, 7 fev (EFE).- Tradição para uns, tortura para outros. Os polêmicos trotes universitários, conhecidos em Portugal como “praxes”, se tornaram o principal assunto no país depois que seis jovens tiveram morte trágica, que pode estar ligada a um desses rituais de entrada em instituições de ensino superior.
“Dura praxis, sed praxis” (algo como “o trote é duro, mas é o trote”) é o lema inspirado na famosa frase em latim “Dura lex, sed lex” (“a lei é dura, mas é a lei”), assimilado pelos defensores dos trotes, hoje na mira social e política de todo o país.
A enigmática morte por afogamento de seis jovens na praia do Meco, a cerca de 40 quilômetros de Lisboa, pôs o Ministério Público português a investigar o fato ocorrido na madrugada de 14 para 15 de dezembro: foi um acidente circunstancial ou provocado por um trote?
Enquanto as autoridades reúnem provas e depoimentos – sendo crucial o do único sobrevivente, o chefe dos trotes da Universidade Lusófona, João Gouveia – a opinião pública vive um intenso debate sobre a conveniência dessa prática secular.
“Trabalhamos a favor de todos, queremos que todos os alunos se integrem”, disse à Efe o presidente da Comissão de Trotes da Universidade Católica de Lisboa, Lourenço Lima, que defendeu que os próprios alunos recém-admitidos na faculdade fazem questão de passar pelos trotes.
A integração é o argumento usado com maior frequência pelos que apoiam essa antiga prática, que começou na Universidade de Coimbra há 290 anos, mas atravessou vários períodos de proibição justamente por abusos cometidos.
Na Universidade Católica, “os trotes não passam dos limites”, afirmou Lima, que citou atividades que vão de concurso de hinos com outras universidades até jantares lúdicos.
“Em nossos trotes, quem quiser pode sair (…). Queremos que (os calouros) se sintam integrados ao máximo e que se divirtam muito”, acrescentou.
No entanto, os alunos que os abandonam e decidem não participar de outros trotes “acabam passando um pouco despercebidos”, assumiu o Presidente da Comissão dos Trotes.
Já em outras universidades e outros institutos técnicos do país, o limiar da dignidade humana foi bastante ultrapassado, segundo vários testemunhos.
Entrar em um chafariz completamente nu em uma noite de chuva e frio, raspar a cabeça, realizar incontáveis flexões e inclusive, nas versões mais radicais, comer fezes e simular um ato sexual com patos são algumas dos trotes mais abusivos já feitos.
Usando capa e capuz preto – inspirado nos trajes tradicionais da universidade – os grupos que organizam os trotes seguem um código secreto de comportamento.
Existe uma hierarquia na qual no topo da pirâmide está o “Dux” (“chefe”, em latim), escolhido por outros veteranos em função também do rendimento acadêmico – que precisa ser brilhante.
Depois vêm o veterano (integram os tribunais de apelação em caso de abusos nos trotes), o doutor (participa dos Conselhos, mas com menos privilégios) e o calouro.
A proliferação de estabelecimentos de ensino superior em Portugal nas últimas décadas levou a uma dispersão e um descontrole dos trotes.
O próprio Lourenço Lima reconheceu que as práticas podem endurecer dependendo das faculdades: “Varia de curso para curso”.
Lima lembrou que, na Católica, a reitoria reserva apenas um dia para trotes. No entanto, em outras faculdades, como a particular Universidade Lusófona de Lisboa – onde ingressaram os seis jovens mortos na praia do Meco – podem durar vários meses.
A negligência de algumas universidades em relação aos trotes é outro fator que contribuiu para piorar o “ritual de iniciação”, segundo vários especialistas.
Muitos dos estabelecimentos que impõem um controle menos rígido pertencem ou a recentes centros do interior do país ou são de regime privado. “Precisam se reafirmar frente às universidades de maior categoria, situadas em Lisboa, no Porto ou em Coimbra”, comentaram antigos calouros.
O episódio da Lusófona, investigado pelas autoridades sob sigilo, ativou o alerta também entre políticos.
Reuniões com o Ministério da Educação, universidades e associações acadêmicas para evitar práticas abusivas e propostas de lei para regulá-las apresentadas no parlamento lusitano por partidos de esquerda agitaram a semana em Portugal. EFE
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