TV e rádio enfrentam novos e velhos desafios
Tudo o que chega ao espectador por meio do rádio ou da televisão tem que passar pelo espectro eletromagnético, conjunto de ondas eletromagnéticas de diferentes frequências. O espectro é como uma estrada por onde trafegam carros. Assim como a estrada, esse espaço é limitado. Para utilizá-lo, é preciso obter uma concessão pública dada pelo Estado. Por isso, a transmissão de sons ou de sons e imagens, a radiodifusão, é um serviço público, de interesse nacional e deve ter finalidade educativa e cultural, de acordo com o que estabelece o Ministério das Comunicações (Minicom).
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Em todo o mundo, a forma de prestação desse serviço é bastante distinta. Na Inglaterra, por exemplo, o Estado tomou para si esse papel, por isso, desenvolveu um sistema público de comunicação forte, que tem na BBC o seu maior exemplo. No Brasil, o modelo adotado foi o comercial, mantendo-se, paralelamente, o controle das outorgas centralizado no Poder Executivo.
Assim, as maiores empresas de radiodifusão do país são privadas. Especialistas em comunicação defendem que, ao longo da história, essas empresas buscaram manter relações próximas com os governantes no poder que, muitas vezes, também se beneficiaram explorando ou distribuindo concessões e angariando força política.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo Ramos explica que essa organização beneficiou as empresas comerciais. “Você tinha um enorme sistema de empresas trabalhando com comunicação, opinião pública, jornalismo, completamente livre de qualquer legislação atualizada e de qualquer possibilidade de o Estado agir e regulamentar esse sistema”, destaca.
De acordo com Ramos, nos Estados Unidos, diferentemente, foram fixadas normas que impediam que um grupo de TV aberta tivesse mais de 35% da audiência, por exemplo. Também na Inglaterra e na França, regras impediram a concentração do mercado e buscaram promover a concorrência entre as empresas e a diversidade de opiniões na mídia.
No Brasil, algumas leis não foram regulamentadas, como o trecho da Constituição Federal que proíbe que um mesmo grupo tenha canais de rádio e televisão, mas há regras. Segundo o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, os meios devem garantir 5% de jornalismo na programação, veicular, no máximo, 25% de publicidade no tempo total da programação e abrir espaço para o horário eleitoral gratuito, entre outras obrigações. Além disso, devem ter finalidade educativa e cultural.
Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, contudo, a legislação está defasada. Além disso, o cumprimento dessas atribuições não tem como ser fiscalizado. Tanto que, embora a concessão de TV tenha um prazo de 15 anos e a de rádio, de dez anos, é comum que os contratos sejam renovados sem avaliação ou debate público.
“O problema é a inexistência de contratos de concessão claros, transparentes e com níveis de detalhamento de direitos e deveres, como você tem, por exemplo, nos contratos de concessão da telefonia fixa”, defende Ramos. Ele argumenta que, assim como uma empresa concessionária do serviço de transporte de ônibus tem que garantir linhas e qualidade na oferta, o mesmo deveria ocorrer com a comunicação.
Organizações que atuam no setor apontam outros descumprimentos. É o caso do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, que fez um levantamento mostrando que as emissoras arrendam parte da programação para veiculação de publicidade ou conteúdos transmitidos por igrejas. De acordo com o grupo, a Rede 21, ligada ao Grupo Bandeirantes, por exemplo, arrenda 92% da programação. Procurado pela Agência Brasil, o grupo não se pronunciou sobre o assunto.
O coletivo também denuncia violações de direitos humanos na mídia e a falta de punição nesses casos. Neste mês, o Ministério das Comunicações acatou representação de mais de vinte organizações da sociedade civil que denunciaram a veiculação do estupro de uma criança de 9 anos pela TV Cidade, emissora do Ceará. A penalidade, de R$ 23.029,34, é a maior já estabelecida pelo ministério, segundo o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará, uma das entidades autoras da ação.
Para a jornalista Bia Barbosa, da coordenação do Intervozes, o resultado desse cenário marcado pela concentração da propriedade e da falta de regras “é esse discurso que, muitas vezes, parece para a população como sendo o mesmo para vários assuntos”. Assim, “a diversidade que existe na nossa sociedade, seja diversidade regional, cultural, de visões políticas, de leituras de mundo, infelizmente, não está refletida na mídia”, avalia.
Para garantir mais pluralidade, algumas medidas são defendidas pela sociedade civil. Uma delas é a instituição de cotas na programação para a veiculação de conteúdos independentes. É o que estabelece a Lei 12.485, que trata do Serviço de Acesso Condicionado (Seac), mais conhecido como TV paga. A regra fixa que canais de filmes e séries devem garantir a exibição de conteúdos audiovisuais brasileiros por três horas e meia por semana e no horário nobre.
O professor da UnB Fernando Paulino considera que, se o princípio constitucional da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal fosse colocado em prática, haveria mais “condições para que se estabelecesse um serviço público de mídia com mais informações sobre a diversidade cultural que compõe o mosaico da sociedade brasileira, e também com informações jornalísticas que tenham em consideração uma possibilidade maior de vozes”.
Apesar das críticas ao modelo adotado no Brasil, o professor destaca um aspecto positivo: o fato de os meios comerciais terem estruturado uma rede que abarca todo o país e por meio da qual circulam conteúdos de qualidade, tanto jornalístico quanto de entretenimento.
Concorrência com novas tecnologias preocupa radiodifusores
O presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, defende que o setor é bastante regulado e diverso. Ele ressalta que existem no Brasil, hoje, 8.855 veículos comerciais, 4.556 licenciados para funcionar como radiodifusão comunitária e 298 que prestam serviço educativo, de acordo com dados de 2013 do Ministério das Comunicações.
Além disso, a Abert argumenta que as empresas têm prestado, desde os anos 1950, um papel relevante no desenvolvimento econômico e cultural do país, ajudando a constituir uma identidade comum aos brasileiros. “Nós consideramos que a televisão tem uma contribuição significativa nesse processo”, afirma Slaviero.
Nos últimos anos, mudanças tecnológicas, econômicas e políticas têm trazido novos desafios para o setor. Com a privatização da telefonia e a abertura para a entrada do capital estrangeiro nos negócios da comunicação no Brasil, empresas privadas e transnacionais de telecomunicações, que atuam na telefonia, na internet e na TV paga, passaram a ocupar um lugar de destaque. Diante desse cenário, o setor se preocupa em manter o seu lugar e sua audiência.
“No início da televisão, do rádio, você só tinha três veículos, basicamente, para receber informação e consumir conteúdo audiovisual”, conta. “Com o avanço da televisão a cabo, com o avanço da internet, com as mídias sociais e, principalmente, dos dispositivos móveis, a população, o cidadão tem várias maneiras com que ele é impactado, com que ele é atingido com esse conteúdo audiovisual”, compara Slaviero, destacando que a concorrência também tem aumentado.
Além de buscar atrair audiências cada vez mais disputadas e segmentadas, o setor também corre contra o tempo para passar do sinal analógico para o digital. O desligamento do sinal antigo terá início em 2016, a partir de cidades como Brasília e São Paulo, e seguirá até 2018.
Segundo Slaviero, em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes já há emissora de televisão transmitindo em tecnologia digital. Falta, agora, garantir receptores compatíveis, a fim de que o cidadão não perca o acesso aos canais. Para isso, ele deverá trocar o aparelho de TV ou adquirir um conversor.
Neste ano, o governo publicou portaria detalhando o processo de desligamento e definindo a distribuição de conversores para as pessoas mais pobres. Como a frequência que deixará de ser usada após a digitalização, a faixa dos 700 Megahertz (MHz), será leiloada para que as telecomunicações possam oferecer internet de alta velocidade, o Ministério das Comunicações indicou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) incluísse no leilão a obrigação de as empresas distribuírem o set-top-box (conversores).
Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da Anatel, João Rezende, disse que 14 milhões de conversores serão distribuídos e que os dados só passarão a trafegar 12 meses após o desligamento do sinal, a fim de garantir que o uso da faixa não cause interferências no sinal da TV aberta. “O que nós estamos fazendo é limpando os canais, do 52 ao 69, e todo mundo que estiver lá vai para outro espaço, digitalizado”, explica.
Rezende avalia que as melhorias na infraestrutura, feitas para atender o mercado de telecomunicações, vai beneficiar a TV brasileira, com a garantia técnica para a implantação da TV digital. Além disso, “você tem as duas pontas atuando com incremento da indústria, que vai produzir mais televisores digitais, com a produção de mais set-top-box”, destaca.
“Nós teremos um incremento de todo o processo de produção industrial para atender o mercado de telecom e o mercado de radiodifusão a partir de 2015, quando se inicia o processo de substituição da TV digital, a mudança dos canais, até 2018. Além, evidentemente, de o usuário experimentar uma tecnologia que a velocidade é duas, três vezes maior do que a experimentada no 3G”, explica Rezende.
Meios comunitários lutam para sobreviver
Se a digitalização e a oferta de mais serviços preocupa os meios comerciais, no campo da comunicação comunitária, a briga é pela sobrevivência. O comunicador comunitário Jerry Oliveira, 45 anos, era integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1993, quando participou de uma ocupação na região noroeste de São Paulo. Na avaliação dele, a cobertura do ato, feita pela imprensa, foi tendenciosa. “A gente percebeu o papel da mídia não como meio de comunicação, mas de difusão de valores de determinados segmentos conservadores da sociedade”, conta.
A indignação fez com que Jerry buscasse ocupar o que os movimentos chamam de “latifúndio do ar”: o sistema de radiodifusão brasileiro. Integrante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, Jerry passou a integrar rádios livres e comunitárias, bem como o movimento que luta pela democratização da comunicação.
De acordo com a Lei 9.612/98, os veículos comunitários devem ter baixa potência (até 25 Watts) e cobertura restrita ao raio de 1 km a partir da antena transmissora. Os limites fazem com que muitas rádios funcionem na ilegalidade, por isso organizações como a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) encampam a “Campanha por uma Nova Lei de Rádios Comunitárias no Brasil”.
Além dos limites de atuação, a busca pela sustentabilidade também afeta a vida desses veículos. Por isso, uma das propostas da campanha é permitir a arrecadação de verbas publicitárias, hoje proibida por lei.
Além dessas mudanças legais, os desafios também se referem aos conteúdos e à gestão. É necessário “um pouco mais de estímulo à produção e à distribuição e ao acesso de conteúdos associados à radiodifusão pública, à radiodifusão comunitária, porque, ainda hoje, existem emissoras comunitárias que estão atreladas a grupos partidários ou grupos religiosos, ou não têm nenhuma condição estrutural para funcionamento”, explica Fernando Paulino.
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Leia amanhã (26), na terceira matéria da série especial sobre Comunicação, a Agência Brasil vai falar sobre a importância da comunicação pública para a promoção do acesso à informação, produção de conteúdos educativos, artísticos, culturais, científicos e informativos e estímulo à produção regional e independente.
Editor Lílian Beraldo
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