Uma batalha contra o ebola e seu esquecimento
Em 2014, a África Ocidental se viu em um pesadelo devido a uma doença que ameaça sua população e destrói seus recursos econômicos – o ebola, que ainda não tem cura e causou a morte de mais de 5.000 pessoas -, além da reação tardia da comunidade internacional e sua limitada colaboração para acabar com a catástrofe.
O surto – assim chamado durante meses para evitar a palavra epidemia – surgiu no começo de março na Guiné. Sua origem mais provável, em um país onde a caça e ingestão de morcegos e macacos é um hábito comum, foi o contágio animal.
Antes do final de março, o vírus tinha matado quase cem pessoas e tinha se propagado para o país vizinho, a Libéria, o mais afetado hoje em dia.
A organização Médicos Sem Fronteiras advertiu que se tratava de uma “epidemia sem precedentes”, mas ninguém pareceu emprestar muita atenção, nem sequer a ONU, que se limitou a observar e contabilizar vítimas. Não era o primeiro surto detectado na África, embora já parecesse o mais grave. O pior, até aquele momento, foi o vivido por Uganda no ano 2000, com 175 mortes.
Este número acabou ficando muito para trás devido ao crescimento exponencial do novo surto, já transformado em epidemia: Em julho, tinha matado 518 pessoas em Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria; em agosto subiu para 1.779, e em setembro para 2.461.
O número de vítimas aumentou para 5.420 em novembro, e as previsões de alguns organismos internacionais o situam acima dos 20.000 a médio prazo.
Os países mais afetados adotaram algumas medidas de choque para conter a expansão, como a restrição do movimento de pessoas, mas elas foram ineficazes diante do verdadeiro problema: o analfabetismo generalizado, a carência de recursos médicos e os ferrenhos costumes sociais e religiosos.
Em muitas regiões da África Ocidental, os corpos são velados durante três dias, e é comum receberem beijos. O método mais aceito de cura é a fé, e os remédios mais efetivos são o chocolate quente, a cebola crua e uma mistura de água e sal.
Mas o vírus não mata apenas pessoas, também destrói economias. Segundo a última avaliação do Banco Mundial, se o ebola continuar se espalhando, pode ter um impacto financeiro de cerca de 26,2 bilhões de euros no final do próximo ano na região.
O impacto da doença não se restringe à margem ocidental do continente: países como Quênia, Tanzânia e Botsuana viram reduzidas para até 70% suas reservas turísticas por causa de um vírus que, em sua distância mais curta, está a 5.225 quilômetros.
É como se o turismo caísse drasticamente na Espanha por causa de uma epidemia no Catar, entre cujas capitais há 5.300 quilômetros por rota aérea. O conceito de “África” como país parece um estereótipo irreversível.
No entanto, um dos capítulos que mais se destacam desta crise é a reação da comunidade internacional, que em sua maioria apresenta mais discursos do que ajuda efetiva.
O surto surgiu em março, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) só decretou o estado de alerta quatro meses depois, quando o vírus já tinha cruzado várias fronteiras e o número de mortos beirava o milhar.
Quando atravessou oceanos e chegou a outros países (Estados Unidos e Espanha), muitos governos começaram a percebê-lo como uma ameaça de potencialidade extrema, e não como um problema mais de um pequeno cantinho do continente esquecido.
Barack Obama enviou 2.100 soldados, e a União Europeia e outros países comprometeram centenas de milhões de euros, mas muito poucos forneceram o que todos os especialistas concordaram em apontar como a necessidade mais urgente: médicos.
Apenas a China, que enviou perto de mil profissionais, a Nigéria e Cuba, com cerca de 500 cada um, concretizaram suas promessas.
Segundo diferentes estudos, são necessários cerca de 5.000 médicos em campo para controlar a epidemia, mas o número atual não passa de 1.500.
“Não é fácil encontrar pessoas que queiram combater o ebola nesses países. Há muito medo da doença e de ficar estigmatizado”, reconheceu à Agência Efe a diretora-chefe da Unidade de Emergência da Cruz Vermelha Espanhola, Cristina Castillo.
Essa organização luta para manter o problema “dentro do interesse geral”, porque continua existindo e está “muito longe” de ser controlado.
“Não podemos deixar que seja mais uma crise esquecida, uma das tantas que há no continente africano”, pressionou Cristina.
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