Uma vida dedicada ao vidro na Cidade dos Mortos

  • Por Agencia EFE
  • 09/03/2015 10h32

Mohammed Siali.

Cairo, 9 mar (EFE).- Na Cidade dos Mortos, um bairro popular do Cairo erguido sobre um cemitério centenário, Khaled se dedica à mesma profissão de seu pai e seu avô, artesãos que moldavam objetos de vidro através da técnica do sopro, produzindo lâmpadas, jarras, taças e afins.

A oficina, criada em 1973, fica perto da mesquita de Qaitbey, construída em 1435 pela dinastia dos mamelucos e considerada uma obra prima da arquitetura islâmica.

Em sua pequena fábrica de vidro, Khaled Ahmed, que tem cerca de 50 anos de idade, explicou seu trabalho com entusiasmo, mas de forma tranquila e pausada, como se fosse mais um hobby do que um trabalho propriamente dito.

Durante a conversa, o artesão mostrou folhetos de exposições de que participou, além de fotos e matérias em revistas sobre seu negocio. Neste mês, por exemplo, Khaled irá a uma exposição financiada pela União Europeia e por artistas contemporâneos europeus, egípcios e por artesãos do Cairo.

A maior parte da produção da oficina, explicou Khaled, é vendida nas lojas próximas ao bairro de Jan el-Jalili, onde há um grande mercado, com o mesmo nome do bairro, fundado em 1382 pelos mamelucos.

Khaled, seu filho Ahmed e um funcionário se movimentam com total normalidade no ambiente estreito e extremamente quente, por causa do calor provocado pelo forno onde o vidro é fundido. O lugar antigo fica cheio de peças recém-fabricadas e de pedaços de vidro quebrado de diferentes cores.

Após a morte de seu pai, Khaled fez uma reforma na oficina, onde diariamente produz em média 40 peças de vidro de diferentes cores, e então começou a ensinar a profissão para seus filhos, a fim de evitar que o ofício se extinga.

De acordo com o artesão, seu apego para com a atividade se deve, por um lado, ao fato de ter sido desempenhada por seu avô e, por outro, pela singularidade da profissão – há poucas oficinas no Cairo, cidade com cerca de 20 milhões de habitantes.

“Quando um turista vem falar comigo, ver como é o meu trabalho e pedir pra comprar algum produto, me sinto muito feliz, é claro, pois me sinto único”, explicou Khaled à Agência Efe.

A indústria tradicional do vidro é um antigo ofício no Egito cuja conservação se mantém sendo passada de geração em geração. Sua matéria-prima é a areia ou os resíduos de vidro reciclados.

Os artesãos deste ofício fundem resíduos de vidro, coletados em diferentes bairros do Cairo, em um forno a gás, a uma temperatura superior a 1000°C.

Ao esfriar, o resíduo se transforma em uma massa de vidro semilíquida e flexível, à qual são acrescentados determinados óxidos para que adquiram a coloração desejada.

Depois de assoprar em um tubo de cerca de um metro de comprimento, o ar transforma o líquido em uma bolha de vidro maleável, à qual o artesão dá forma, fazendo diferentes pressões com suas ferramentas de metal.

“Continuarei com a profissão porque é um patrimônio e um trabalho artístico”, explicou à Agência Efe Ahmed, de 28 anos, que fala como se praticasse o ofício por toda a vida.

O futuro herdeiro do negócio afirmou, orgulhoso como seu pai, que “há pessoas que vêm de fora do país com desenhos em um papel para que a gente faça o produto”.

No entanto, confessou com certa preocupação, que nos últimos anos as vendas tiveram uma queda significativa por causa da redução do número de turistas no Egito, que diminuiu em função da transição política que o país está vivendo.

Junto à oficina há duas pequenas lojas onde os produtos ficam cuidadosamente expostos: pratos, lâmpadas trabalhadas, jarras, copos e todo tipo de objetos de vidro de diferentes cores.

Para que as peças adquiram a cor desejada, é feita uma mistura de vidro transparente liquido com óxidos de cobre, de cobalto ou de manganês, ou então são fundidos vidros de uma mesma cor.

O diretor do centro Habi para direitos ambientais, Mohammed Najib, afirmou que profissões como a exercida por Khaled e seu filho reiteram uma tradição milenar de reciclagem.

“A reciclagem é um comportamento egípcio antigo, de milhares de anos. No Egito nada é jogado fora”, comentou Najib, antes de dizer que este comportamento começou a ser abandonado com a chegada do sistema capitalista.

Najib elogiou a oficina de Khaled que, segundo sua opinião, “remete à importância da reciclagem como base para garantir um meio ambiente e recursos sustentáveis”.

Mas lamentou que a reutilização de objetos usados tenha se transformado em um fenômeno isolado e que “as tentativas do governo neste setor ainda sejam frágeis”, quando deveria ser uma política pública. EFE

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