Universalização da pré-escola traz desafio gigantesco para municípios
O sistema educacional brasileiro tem o desafio de incorporar entre 700 mil e 1 milhão de crianças de 4 ou 5 anos em 2016. A universalização da pré-escola é uma medida prevista há sete anos, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 59, e que foi ratificada como a meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE), que se tornou lei no ano passado (Lei 13.005/2014) com vigência por dez anos.
Para a vice-presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), senadora Fátima Bezerra (PT-RN), garantir o direito à educação a todas as crianças brasileiras a partir dos 4 anos de idade é muito importante, pois diversos estudos comprovam que, quanto mais cedo a criança entra na escola, melhores serão suas chances de desenvolvimento e de aprendizagem.
A responsabilidade direta pela oferta da pré-escola é dos municípios. Para o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, o cumprimento da universalização representa dois grandes desafios: o primeiro é a infraestrutura insuficiente e a limitação de recursos financeiros; o segundo é a necessidade de atrair para a escola as crianças que ainda estão fora dela.
“Boa parte dessas crianças estão fora da escola não necessariamente por falta de uma vaga, mas porque podem estar em localizações de difícil acesso, e precisariam ter meios para chegar à escola”, explica Lima, que é secretário de Educação de Tabuleiro do Norte, no Ceará. O secretário também ressalta que falta estrutura para alcançar os 100% da meta, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde as escolas já têm uma capacidade de atendimento saturada.
Dados
De acordo com dados do Censo Escolar de 2010 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, das 6 milhões de crianças de 4 ou 5 anos de idade no país, 81,4% já estão atendidas pela pré-escola, seja no sistema público ou no particular. O número de matrículas pode ter aumentado nos últimos dois anos, mas ainda assim, a estimativa da Undime é que resta cerca de 1 milhão de crianças para serem atendidas em 2016. Isso significaria a necessidade de cerca de 5 mil escolas novas, considerando uma média de 200 alunos por unidade, segundo a Undime. Além disso, demandaria a contratação de cerca de 54 mil novos professores.
“Os municípios estão se preparando da melhor forma para organizar sua rede, mas é imprescindível o aporte financeiro da União para a ampliação emergencial de algumas unidades escolares e a construção de novas unidades”, pondera o secretário municipal.
Em audiência pública na Comissão de Educação em 27 de outubro, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, apresentou uma estimativa mais otimista. Seriam 700 mil alunos novos a serem incorporados à pré-escola em 2016. O ministro chamou a atenção, no entanto, para a disparidade no acesso quando considerada a condição de renda das famílias. “Quando pegamos os 25% mais ricos, em 2013, 91,8% já estão na pré-escola, enquanto dos 25% mais pobres, 75,5%. Quem não está na escola é quem mais precisa”, asseverou.
Periferias
Mercadante sugeriu buscas ativas nas periferias das grandes cidades e nas cidades do interior dos estados mais pobres, que é onde deve estar o maior número de crianças que precisam ir para a pré-escola.
Ele relatou aos senadores da CE que o Ministério da Educação (MEC) fez um mutirão de cinco programas para repassar verbas para as prefeituras. O ministro admite que muitos municípios não têm recursos para o atendimento da universalização da pré-escola, e que serão pressionados pelo Ministério Público (MP). Segundo Mercadante, essas ações não estavam previstas no Orçamento da União, mas receberam prioridade. Os recursos vão ser repassados na forma de módulos de ampliação das estruturas já existentes.
“Quem não tem um modo de educação infantil, cria esse modo, pode botar até 96 crianças e nós pagamos R$ 273 mil. Quem apenas tem uma escola, pode criar um espaço específico e nós pagamos R$ 260 mil. Então, estamos fazendo um esforço grande no MEC para ajudar os prefeitos, porque votamos uma meta e não demos os recursos necessários”, explicou.
O ministro defendeu ainda a manutenção da meta e o esforço de todos para atingi-la.
Ministério Público
O Ministério Público tem, de fato, acompanhado o cumprimento da universalização. Bianca Mota de Moraes, titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital do Estado do Rio de Janeiro, relata que o MP tem procurado a Undime em cada estado para ajudar no planejamento e na organização das matrículas para que nenhuma criança fique de fora.
A transparência, a publicidade e a distribuição geográfica das vagas têm sido acompanhadas pelos promotores, valendo-se de recomendações a inquéritos civis. “Muitos ministérios públicos estão oficiando prefeitos, vereadores e secretários de Educação, alertando que a Emenda Constitucional 59 está aí desde 2009, que a meta de universalização foi ratificada com força de lei pelo atual Plano Nacional de Educação, que também previu a obrigatoriedade das leis orçamentárias conterem dotação orçamentária suficiente para o cumprimento dessa meta”, disse a promotora.
Segundo Bianca Mota, as prefeituras têm alegado dificuldades relativas à crise econômica e à oferta de escolas em tempo integral e, então, elas levantam a possibilidade de fazer essa oferta inicialmente em período parcial, o que também é previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Outro problema apontado é a duplicidade da procura: quando se organizam listas de espera por unidades de ensino, muitas vezes um mesmo aluno figura em mais de uma lista.
“A nossa recomendação tem sido unificar esse processo de matrícula para que se tenha um número real dessa demanda e que todas as adaptações no sistema de ensino sejam feitas, porque a educação infantil precisa ser tratada com especificidade. Não adianta e não resulta no cumprimento da meta colocar os alunos da educação infantil com uma estrutura de educação fundamental”, apontou Bianca.
Creches
A separação entre educação infantil e ensino fundamental também é um desafio para o cumprimento da meta 1 do PNE. Muitos especialistas defendem uma concepção de educação infantil que promova o desenvolvimento integral da criança, complementando a ação da família e da comunidade. Essa concepção visa superar outra, de que a educação infantil é mera preparatória para o ensino fundamental.
Pesquisas têm comprovado que as crianças de até 6 anos precisam aprender de forma lúdica, o que requer projetos curriculares e pedagógicos adequados, ambientes físicos e mobiliário compatíveis e horários que considerem as necessidades das crianças.
O presidente da Undime reconhece que o modelo mais eficiente de sistema escolar é aquele em que você concentra crianças em idade escolar semelhante. “Os projetos pedagógicos voltados para cada etapa trazem suas especificidades. Com isso, as escolas se organizam melhor e essas redes têm conseguido avançar e alcançar melhores resultados”, considera.
Alessio admite que, no entanto, são comuns os casos de municípios em que, dadas as dificuldades de infraestrutura física e as limitações de recursos financeiros, a pré-escola funciona junto com a escola do ensino fundamental.
À importância de atender os aspectos próprios do processo de aprendizagem das crianças em idade pré-escolar, o ministro da Educação acrescentou os aspectos socioeconômicos das famílias.
“Essas crianças na pré-escola são os filhos da pobreza. Então, uma criança filha de uma mãe não letrada tem, em média, um vocabulário que é um terço daquele obtido numa família letrada. Quando ela vai ser alfabetizada, ela não tem como aprender a ler e a escrever o que ela não fala. Assim, a pré-escola ajuda a criança a desenvolver o vocabulário e as habilidades não cognitivas, a aprender a disciplina da escola, o material pedagógico”, defendeu Mercadante.
A meta 1 do PNE prevê que, até 2024, 50% das crianças entre zero e 5 anos tenham acesso a creches. Atualmente, esse percentual está na casa dos 24%.
A matrícula em creches, no entanto, não é obrigatória para as famílias. Mas as creches têm sido uma demanda cada vez maior devido à crescente integração de mulheres de todas as classes sociais ao mercado de trabalho.
Para alcançar essa meta nos próximos dez anos, a Undime estima que será necessário que as redes municipais contratem aproximadamente 250 mil novos professores para lidar com essas crianças, e ainda os outros profissionais que se fazem necessários ao funcionamento de uma creche.
Segundo o presidente da entidade, apesar das especificidades, a educação infantil (creche e pré-escola) recebe quase o mesmo valor de uma turma de ensino médio ou o equivalente a um terço dos custos reais.
Garantias
Bianca Mota explica que as famílias que não virem assegurado o direito de matricular suas crianças de 4 e 5 anos na rede pública a partir de 2016 devem, num primeiro momento, tentar ajustar isso de forma administrativa, ou seja, com o próprio município.
Se a questão não é resolvida na própria escola, deve-se procurar a coordenadoria de Educação ou diretoria regional de Educação. Não resolvido o problema, existem outras instâncias, com o conselho tutelar e o próprio Ministério Público.
“O nosso trabalho tem muito mais o olhar da tutela coletiva e a gente vai, se necessário, distribuir uma ação que possa garantir esse direito a todas as crianças daquele local. E o descumprimento dessa meta pode inclusive vir a gerar ações de improbidade administrativa contra esses gestores”, explica a promotora.
Estímulo fiscal para construção de creches avança no Senado
Com o objetivo de estimular a construção de creches e escolas, um projeto que institui regime especial de tributação para essas obrass foi aprovado pela Comissão de Educação no fim de setembro.
De autoria de Romero Jucá (PMDB-RR), o PLS 169/2012 assegurará à construtora que fizer esse tipo de obra redução do pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da contribuição PIS-Confins, entre outros tributos.
O regime valerá para obras que tenham sido iniciadas ou contratadas a partir de 1º de junho de 2012. Deve prosseguir até 2018, sendo opcional e irretratável enquanto durarem as obrigações da construtora com os contratantes
Para Jucá, a proposta pode diminuir os custos das obras para construção de creches e pré-escolas, cuja oferta é de responsabilidade dos municípios e do Distrito Federal.
O senador explica que a diminuição da carga tributária sobre as construtoras vai se refletir nos custos das obras e significará economia por parte dos entes federados responsáveis pela construção das creches.
Jucá diz que “há um enorme deficit de vagas na educação infantil e que todo esforço para solução do problema é louvável”. O projeto será analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde receberá decisão final.
Subcomissão tratará do tema do financiamento educacional
A Comissão de Educação aprovou, em 24 de novembro, o Requerimento 133/2015 para criação de subcomissão permanente destinada a discutir e propor alternativas para o financiamento da educação básica no Brasil.
Para a senadora Fátima Bezerra, autora do pedido, o Plano Nacional de Educação apresenta o desafio de atingir 10% do PIB para financiamento da área em 2024. Atualmente esse percentual é de 6%.
Fátima ressalta que mesmo a garantia de 50% do Fundo Social do pré-sal e a destinação de 75% dos royalties do petróleo à educação não serão suficientes para atingir os 10%.
“Essa subcomissão vai pensar e propor iniciativas concretas de novas fontes de financiamento para a educação. Por exemplo: por que não destinar uma parte de uma nova CPMF para a educação? Por que não destinar uma parte de um imposto sobre as grandes fortunas para a educação?”, indaga a senadora.
Para Fátima, é preciso dar passos seguros para que se tenha orçamento e financiamento suficientes para implementar a agenda do PNE, que ela considera “a mais ousada, importante e estratégica para o presente e o futuro do Brasil”
A subcomissão será composta por sete membros titulares e sete suplentes e aguarda designação de data para instalação.
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