Vale a pena buscar com tanto afinco a segunda caixa-preta?
Luis Miguel Pascual.
Seyne-les-Alpes (França), 30 mar (EFE).- Após sete dias de intensos trabalhos, a busca pela segunda caixa-preta do A320 que caiu nos Alpes franceses ainda não deu resultado, mas alguns especialistas consultados pela Agência Efe acreditam que os dados contidos no equipamento dificilmente poderão trazer alguma mudança radical sobre o que realmente aconteceu na aeronave.
“A segunda caixa-preta” do A320 “pouco vai apresentar à investigação, porque a primeira já revelou o essencial”, opinou o especialista em acidentes aeronáuticos Gérard Feldzer, que questiona a urgência das autoridades em encontrá-la.
Sua opinião é corroborada por outros especialistas, mas também existem os que pensam que os parâmetros de voo registrados por ela são essenciais para confirmar as informações da primeira, que contém a gravação do que aconteceu na cabine.
Uma semana de buscas intensas não permitiu que a segunda caixa fosse encontrada, enquanto a primeira apareceu no mesmo dia do acidente.
O jornalista Frédéric Beniada, especializado em informação aeronáutica, acredita que “o relato do promotor de Marselha”, Brice Robin, sobre o acidente “é incompleto e, em alguns pontos, inexatos”, por isso “os técnicos devem analisar a segunda caixa para corroborar o que aponta a investigação”.
A análise da caixa-preta que grava todos os sons da cabine permitiu aos investigadores determinar que o copiloto, o alemão Andreas Lubitz, derrubou o avião nos Alpes deliberadamente.
Beniada admitiu que 90% do que aconteceu no voo entre Barcelona e Düsseldorf da última terça-feira “já é conhecido”, mas faltam detalhes que podem deixar algumas perguntas em aberto.
“Não há dúvida de que o copiloto derrubou o avião de forma voluntária, mas ainda é preciso saber como ele fez isso”, explicou.
Já Feldzer é mais cético sobre esse ponto e afirmou que “o que há na segunda caixa-preta são detalhes que servirão apenas para confirmar o que os investigadores já sabem”.
Este especialista, que investiga catástrofes aéreas há anos, afirmou que “neste acidente, o papel das caixas-pretas se inverteu”, já que “normalmente, a dos parâmetros revela as circunstâncias do acidente e a do som é a complementar”.
Jean-Pierre Otelli, piloto militar aposentado e autor de mais de 20 livros sobre acidentes aéreos, tem a mesma opinião de Feldzer e garantiu que “em nenhum caso, a segunda caixa-preta trará um relato diferente” do que se pode presumir da primeira.
“Ela vai fornecer alguns detalhes sobre o voo, como a altitude estipulada pelo copiloto. Também vai confirmar a velocidade da descida que foi programada por ele, que segundo o radar foi de cerca de 3 mil pés por minuto”, assinalou.
Nada que mude radicalmente a hipótese de que Lubitz decidiu se matar e levar consigo os outros 149 ocupantes do avião.
Os especialistas consultados são categóricos na hora de afirmar que Lubitz não calculou o lugar exato no qual pretendia que o avião caísse.
“Ele se limitou a reduzir a altitude, não mudou a trajetória”, opinou Otelli, que é muito cético com a teoria que afirma que o copiloto quis se matar no mesmo lugar em que praticou voo com planadores durante a adolescência.
“Tinha a ideia de se suicidar e naquele dia teve a oportunidade. Se não tivesse feito dessa vez, teria feito em outra”, concluiu Feldzer.
Já Otelli suspeita, inclusive, que o piloto não sabia exatamente que estava sobrevoando os Alpes. “Se aproveitou que tinha ficado sozinho na cabine”, disse.
O fato de não ter mudado a trajetória foi justo o que alertou ao controle de terra em Aix-en-Provence que algo não estava bem no voo. “Quando há uma avaria, o protocolo diz que se deve virar para esquerda ou direita. Neste caso, ele manteve a trajetória”, afirmou o especialista.
“Ele sequer desligou o piloto automático”, acrescentou Feldzer, já que nesse caso soa um alarme que não ficou registrado na primeira caixa.
Para confirmar essa informação, também será necessária a segunda caixa-preta, por isso o especialista questiona a necessidade de se empregar tanto esforço para encontrá-la.
O avião bateu na montanha a 700 km/h, por isso a caixa “pode estar vários metros abaixo do solo”, segundo Beniada.
Além disso, como não está na água, o equipamento não emite um sinal sonoro, o que torna sua descoberta “ainda mais difícil” que a caixa-preta do voo 447 da Air France, que caiu no Oceano Atlântico após decolar do Rio de Janeiro com destino a Paris em 31 de maio de 2009.
Naquela ocasião, as autoridades investiram enormes quantidades de dinheiro para localizar no fundo do mar os destroços do A330 que caiu com 228 pessoas a bordo, o que levou quase dois anos de buscas.
“Mas, uma vez que encontraram os destroços, achar a caixa-preta foi mais simples. Nesta ocasião, não será estranho se nunca for encontrada entre as mais de duas toneladas de fragmentos espalhados em mais de dois hectares de terreno”, explicou Beniada.
O que não impede, segundo este especialista, que as buscas devam continuar porque “a experiência nos diz que um detalhe, por menor que seja, em uma investigação como esta, pode gerar muitas dúvidas”. EFE
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