Vigiar o vigilante é a medida mais tangível de Obama contra a tensão racial
Beatriz Pascual Macías.
Washington, 4 mai (EFE).- Vigiar o vigilante é a medida mais tangível tomada por Barack Obama para diminuir os problemas de abuso policial ocorridos nos Estados Unidos nos últimos meses, episódios carregados de uma forte tintura racial com vítimas afro-americanas.
Seguindo o ditado “uma imagem vale mais do que mil palavras”, o governo americano disponibilizou US$ 17 milhões para câmeras e supervisão de agentes com o objetivo de evitar casos como o de Freddie Gray, morto sob custódia policial em Baltimore no último dia 19.
Esta ação, parte do plano anunciado em dezembro por Obama para financiar com US$ 75 milhões a instalação de 50 mil câmeras nos uniformes policiais, se soma a outras medidas de reconciliação, como o projeto piloto de diálogo entre a polícia e a comunidade em seis cidades do país.
“As câmeras ajudariam a todos. Ajudariam a proteger os cidadãos dos abusos da polícia e, ao mesmo tempo, dariam aos agentes proteção contra falsas acusações”, argumentou em declarações à Agência Efe Monica Hopkins-Maxwell, da União para as Liberdades Civis na América (ACLU).
No entanto, para Hopkins-Maxwell, uma das maiores dificuldades da videovigilância é conseguir o equilíbrio entre tornar os agentes responsáveis por suas ações e preservar a privacidade de testemunhas, vítimas e suspeitos.
“As câmeras só servirão se forem implementadas com políticas firmes, que garantam proteção ao público sem que se transformem em um novo sistema de vigilância em massa”, ressaltou a diretora em Washington da ACLU, uma associação com uma longa história de oposição às câmeras em lugares públicos, mas que vê esta iniciativa com outros olhos.
Em um relatório, publicado em março, esta organização de direitos civis, uma das mais importantes dos EUA, afirmou que as câmeras devem de ser projetadas de modo que os agentes não possam editar, apagar ou modificar o conteúdo das imagens.
Embora esteja de acordo com a proibição de editar os conteúdos, a Police Executive Research Forum, uma organização de policiais em nível nacional, aposta em políticas que deem mais margem de manobra aos agentes para que eles decidam o que devem ou não gravar.
Em uma guia para o uso destas câmeras, exemplificam a cena de um homicídio ou um estupro, no qual uma testemunha ou uma vítima pode ser reticente a ser gravada em vídeo, se negar a testemunhar sob essas condições ou, inclusive, modificar sua confissão, o que dificultaria a resolução do crime.
Além de questões de procedimento, o preço, entre US$ 100 e US$ 1 mil é uma das maiores dificuldades para fazer com que os policiais carreguem em seus uniformes ou capacetes estas pequenas câmeras.
Apesar disso, já havia em 20 de abril 117 projetos de lei para instaurar estes sistemas de monitoramento estavam sendo avaliados pelos parlamentos de 34 estados, segundo dados da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais dos Estados Unidos (NCSL).
A ideia de colocar sistemas de gravação aos uniformes dos agentes ganhou força após a morte em agosto do jovem afro-americano Michael Brown em Ferguson (Missouri), mas a existência de imagens que mostrem as circunstâncias dos fatos não garante a condenação, destacou a ACLU.
Exemplo disso foi a gravação em vídeo por um transeunte da morte do afro-americano Eric Garner, de 43 anos e asmático, que foi asfixiado quando um policial de Nova York o imobilizou com um golpe proibido por vários departamentos de polícia.
Tanto o policial que matou Brown como o que matou Garner se livraram de todas as acusações e estão em liberdade.
Agora falta ver o que acontecerá com os seis policiais de Baltimore acusados pela morte do jovem Gray, que aparentemente foi submetido ao “passeio do cowboy”, no qual os detidos são levados, sem cinto de segurança na cela metálica do veículo, com freadas fortes e voltas bruscas.
Por mais que as câmeras sejam colocadas em prática, a ACLU e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor lamentam o quão grave é ter de chegar ao extremo de pôr sob vigilância quem deveria zelar pelo cumprimento da lei.
Insistem, por isso, na necessidade de reduzir a margem e as prerrogativas com as quais os policiais possam evitar um processo criminal e, sobretudo, em trabalhar para reduzir os problemas sociais de pobreza, drogas e segregação que alimentam uma latente tensão racial, agora em plena ebulição. EFE
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