Voto curdo será crucial nas eleições na Turquia
Dogan Tilic.
Ancara, 5 jun (EFE).- Os milhões de curdos da Turquia com direito a voto terão um papel essencial nas eleições gerais da Turquia, que pela primeira vez contam com uma candidatura nacional de um partido curdo.
Até agora, as legendas curdas tinham candidatos independentes por causa da clausula de barreira, que determinava um mínimo de 10% de votos em nível nacional para conseguir vaga no parlamento.
O pró-curdo Partido Democrático dos Povos (HDP), formado no final de 2013, apostou por superar esta barreira, apresentando-se não só como defensor da minoria curda, mas como opção política para a esquerda progressista de toda a Turquia.
Selahattin Demirtas, copresidente do partido, é uma estrela em ascensão na política nacional e a face visível desse projeto que supera a divisão entre turcos e curdos.
Nas eleições presidenciais de 2014, Demirtas obteve 9,8% dos votos, muito acima do teto de 6,5% que a esquerda curda costumava ter, e as pesquisas dão a ele agora 10%.
Se esta previsão se cumprir, o HDP fará pelo menos 50 deputados, em vez dos 30 atuais, o que inclusive representaria um risco para a maioria absoluta do partido governamental, o AKP.
Para facilitar sua aceitação fora da região curda, o HDP teve a precaução de não usar em seus comícios a imagem de Abdullah Öcalan, fundador e líder da guerrilha do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que cumpre prisão perpétua em uma penitenciária de Istambul.
Öcallan continua sendo uma referência para grande parte da esquerda curda, mas é visto ainda entre os turcos como o chefe de um grupo terrorista, como o PKK é considerado.
Embora o PKK tenha renunciado há tempos à sua exigência original de criar um Estado curdo e centrar atualmente suas reivindicações na obtenção de mais direitos para a minoria curda, como o ensino de seu idioma materno, grande parte dos eleitores turcos o consideram ainda um “grupo separatista”, imagem que afeta também o HDP.
As tensões diminuíram graças à negociação que Ancara realiza com Öcalan e, com a mediação de deputados do HDP, também com a guerrilha, aquartelada nas montanhas do Curdistão iraquiano.
A retirada parcial da Turquia do PKK e uma trégua que já dura dois anos, com incidentes isolados, amenizaram o ambiente após uma guerra não declarada que desde 1984 causou 45 mil mortes.
Embora o AKP continue a acusar o HDP de ser o braço político de uma organização terrorista, Demirtas insistiu que, independentemente do resultado eleitoral, continuará a trabalhar pela paz.
Para atrair eleitores não curdos, o HDP concentrou sua mensagem em acusar o governo e o presidente Recep Tayyip Erdogan de corrupção e autoritarismo e em defender os direitos humanos, o feminismo e o meio ambiente.
Em muitos de seus comícios eleitorais são vistas inclusive bandeiras turcas, cuja ausência no passado foi criticada pelos turcos que rejeitam o separatismo curdo.
A entrada do HDP no parlamento atrapalharia os planos de Erdogan de mudar a Constituição para instaurar um sistema presidencialista, seu objetivo declarado, já que o AKP não conseguiria somar as 330 cadeiras necessárias para submeter uma reforma constitucional a referendo.
Ciente disso, o AKP transformou o HDP no principal alvo de suas críticas, usando a carta na manga da religião para conquistar o amplo setor curdo conservador e devoto.
“São ateus, são zoroastristas”, chegou a dizer Erdogan, enquanto exibia um Corão traduzido para o curdo para mostrar sua própria adesão ao islã.
O presidente também acusa o esquerdista HDP de adorar Taksim, a mítica praça de Istambul dos protestos sindicalistas, em vez da Caaba de Meca, e de ter homossexuais em suas listas.
O HDP conta também com alguns candidatos religiosos, mas insiste em se definir ainda mais de esquerda do que o Syriza, que governa a Grécia.
Em recente entrevista à Agência Efe, Demirtas prometeu não formar jamais uma coalizão com o AKP, um temor presente no eleitorado após os primeiros passos do governo no processo de paz curdo.
Esta garantia pode convencer vários turcos que se sentem distantes da questão curda, mas que consideram a entrada do HDP no parlamento a única maneira de conter de forma contundente as aspirações do AKP para reformar a Constituição.
Se não conseguir, Demirtas não ficará quieto: “Vamos fazer campanha com todos os meios democráticos contra a barreira dos 10%; estaremos nas ruas”, prometeu. EFE
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