Zerar desmatamento no Brasil pode custar R$ 5 bi ao ano até 2030
Conservar a natureza no Brasil pode não ser tão caro quanto se imagina, desde que se saiba onde fazer planejamento. Essa é a principal mensagem de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mapearam todo o território onde se tem os menores custos ou maiores ganhos de proteger florestas em troca dos serviços que ela presta.
A ideia foi avaliar as melhores oportunidades para adotar o chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), em que o proprietário de terra é remunerado para não desmatar ou recuperar uma vegetação a fim de preservar os recursos hídricos, absorver carbono da atmosfera (ou evitar sua emissão) e proteger a biodiversidade.
Analisando o custo de oportunidade da terra, em todo o País, os pesquisadores concluíram, por exemplo, que, com R$ 5,2 bilhões por ano, seria possível zerar todo o desmatamento no Brasil até 2030, considerando uma projeção de que 20,5 milhões de hectares (205 mil km²) estariam na linha de corte nos próximos 15 anos, a maior parte no Cerrado. Isso evitaria as emissões de até 5,6 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2).
O cálculo considerou que um pagamento máximo de R$ 402,57 por hectare anual (mediana do custo de oportunidade da terra no Brasil) seria o suficiente, uma vez que boa parte da retirada de vegetação ocorre em áreas que, uma vez abertas, vão render ao proprietário muito pouco depois, como nos casos de pecuária extensiva e pouco produtiva na Amazônia. Além de que, se cometer um desmatamento ilegal, por lei, o dono da terra tem de recuperá-la. Se, em vez disso, ele for pago para preservar, saem ganhando ele, o meio-ambiente e o entorno, “o ganho que se tem com o desmatamento que persiste é baixo comparado com a recuperação depois, da ordem de grandeza de dez vezes”, afirma Carlos Eduardo Young, coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Aproximadamente metade da área projetada para ser desmatada nos próximos anos não terá rendimento superior aos R$ 402,57. Imagine, por exemplo, derrubar um hectare para colocar um boi. É uma pecuária de baixíssima produtividade e o preço da carne acaba sendo baixo. Se o proprietário ganhar R$ 200 com esse boi vai ser muito e esse desmatamento vai jogar na atmosfera 150 toneladas de carbono. Estamos dando o ouro em troca de banana”, calcula.
“Nossa ideia com PSA não é combater a agricultura inteligente, de alta produtividade, mas o desmatamento burro, que perde carbono, biodiversidade e água por um retorno muito baixo”, diz.
O trabalho, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente traz subsídios para a construção de uma política nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. É, na prática, uma ferramenta que serve para modelar qualquer tipo de projeto em qualquer lugar.
A ideia de pagar um produtor que esteja conservando pelos serviços prestados por essa mata é considerada, atualmente, por cientistas e ambientalistas, como uma das melhores formas de se incentivar a conservação no Brasil, é prevista no novo Código Florestal e ganhou destaque após a Rio+20. Mas, apesar de haver diversos projetos no Congresso sobre o tema, a discussão pouco avançou nos últimos anos.
Flexível
Isso ocorreu, em parte, porque existe a ideia de que teria de se pagar muito para conservar e, em parte, porque se imagina que os custos viriam todos do poder público. O pulo do gato do estudo foi mostrar que, dependendo da intenção do PSA, pode ser mais vantajoso em uma região ou em outra do País, o que traz mais flexibilidade e preços mais em conta para os projetos.
Por exemplo, se o objetivo é apenas evitar desmatamento, os projetos teriam concentração na Amazônia, na Caatinga e no norte do Cerrado. Já uma política de conservação visando os estoques de carbono (ou seja, evitar que o gás que provoca o aquecimento global seja liberado), é melhor focar na Amazônia, uma vez que a densidade de carbono nas árvores da floresta são maiores que em outros biomas.
Por outro lado, uma ação voltada para o replantio de vegetação pode ser mais interessante na Caatinga. Para o Brasil inteiro, de acordo com o levantamento, a atividade pode ser bastante cara, ultrapassando R$ 165 bilhões em um ano, com replantio e cercamento, de modo a resolver todo o passivo ambiental estimado (áreas de Reserva Legal que foram desmatadas).
O dado, sozinho, já mostra que conservar é muito mais barato que ter de recuperar depois e lança um alerta vermelho para a meta do governo brasileiro, assumida junto ao Acordo de Paris, de restaurar 12 milhões de hectares, até 2030, como parte dos compromissos de redução das emissões.
Considerando o custo de oportunidade da terra e cercamento, a recuperação desse montante seria de R$ 57 bilhões. Valor próximo obtido por uma outra análise feita pelo Instituto Escolhas.
Há, contudo, um outro lado deste dado, que também revela que, dependendo do local, a situação é diferente. Os custos por hectare, em média, para o País são de R$ 8.790 para um ano. Na Caatinga, esse valor cai para R$ 6.909/ha, o que indica que parte da restauração poderia ser feita aumentando a resiliência da região e trazendo uma nova renda para o pequeno agricultor.
Se o objetivo for evitar erosão e proteger os recursos hídricos, o mapa também muda de figura, “o corredor central da Mata Atlântica não é o mais barato para fazer PSA, mas, ainda assim, é o mais barato dentro do bioma e com o maior potencial para capturar carbono e evitar erosão”, explica. Não é à toa que a maior parte das iniciativas que existem são de pagamentos para produtores de água justamente nessas regiões.
Algo parecido vale para a biodiversidade. Os pesquisadores levaram em conta quais áreas no País tem a maior densidade de espécies ameaçadas por área de vegetação remanescente. Em geral, todos os biomas brasileiros são muito ricos em biodiversidade, mas o trabalho recomenda que projetos que visem a proteção das espécies deveriam ser pensados para a Mata Atlântica, que é o bioma que mais foi desmatado.
Quem paga a conta?
O estudo analisa ainda experiências que já vêm sendo feitas no Brasil, os projetos de lei em andamento e estratégias para o pagamento. Uma delas é o comércio de crédito de carbono. Uma tonelada de CO2-equivalente e vendida a R$ 50, calculam os pesquisadores, seria suficiente para evitar o desmatamento de 20,5 milhões de hectares, praticamente todo o desmatamento projetado para o período 2016-2030.
Young defende também que o consumidor do benefício pague ao produtor do serviço. Por exemplo, uma cidade que se beneficie com água poderia ter um valor, acrescido na sua conta, destinado para o PSA dos agricultores.
A proposta recomendada pela equipe é que se crie uma fórmula progressiva de benefícios. Uma das discussões que existe em torno de projetos de PSA é se não está se pagando apenas para o indivíduo cumprir a lei. Pelo Código Florestal, por exemplo, um proprietário de terra na Amazônia tem de preservar 80% de sua propriedade e recuperar o que desmatou ilegalmente. Por isso, há quem defenda que o PSA deveria ser feito somente com quem está protegendo mais do que a lei já prevê, “isso é um lado da história. Por outro, a lei não está sendo cumprida. Assim como existe uma lei que diz que toda criança tem de estar na escola e, ainda assim, se paga para a família colocar os filhos no colégio, essa é uma agenda política, mas tem de ser factível com a realidade orçamentária”, afirma Young.
De todo modo, o perito sugere uma espécie de escalonamento. A ideia é pagar ao proprietário uma porcentagem do custo de oportunidade da terra, mas nunca o valor cheio. Mas, conforme a qualidade da conservação, este valor pode ir subindo. O projeto ganharia notas: pela biodiversidade, se a área for transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), se está perto de outras áreas protegidas formando um mosaico, se tiver nascente, etc.
“A mensagem é que vai custar dinheiro, mas existem opções melhores e em troca de grandes benefícios”, diz.
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