Associações de juízes pegam carona na Lava Jato para defender o indefensável

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 18/11/2016 08h25
Fotos Públicas lei martelo juiz

Comportaram-se muito mal os presidentes de associações de juízes que se encontraram ontem com a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, para reclamar da comissão instalada no Senado para apurar a existência de supersalários nos Três Poderes e de propostas em tramitação no Legislativo que, segundo os doutores, enfraqueceriam o Poder Judiciário.

Leio na Folha a fala, por exemplo, de João Ricardo Santos Costa, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros): “Temos uma pauta que nos preocupa no Congresso, que são essas investidas no sentido de desestruturar a magistratura e o Ministério Público. Investida que já não é uma desconfiança, é uma certeza, de que alguns parlamentares estão tentando reprimir o sistema de Justiça que hoje está fazendo as investigações mais importantes do país”.

Pois é… É evidente que setores da Justiça estão fazendo um bom trabalho no combate à corrupção — cumprindo, aliás, a sua função. É o que se espera que façam mesmo. Mas venham cá: o que isso tem a ver, por exemplo, com o pagamento de supersalários? Por que o Judiciário vê nisso uma retaliação? Afinal, a AMB e as demais associações defendem ou não o que está definido no Inciso XI do Artigo 37 da Constituição? E lá está claro que o teto do que é recebido pelo servidor, já consideradas as vantagens, não pode ultrapassar o ganho de um ministro do Supremo.

Os representantes das associações de juízes também teriam considerado uma retaliação o fim do efeito cascata, que reajusta automaticamente os vencimentos de juízes das demais instâncias e esferas sempre que houver uma correção salarial dos titulares do Supremo. Pois é… Quem tomou a decisão de fazer a vinculação foi o Conselho Nacional de Justiça, sob o comando de Ricardo Lewandowski. Aliás, é curioso que juízes reclamem do fato de que senadores queiram legislar, uma tarefa deles, mas defendam um ato do CNJ, que não existe para esse fim. Acho que o nome disso é corporativismo.

Também se reclamou do projeto que atualiza a lei de abuso de autoridade. A que temos é de 1965. Ora, esse texto é de 2009 e não poderia ter sido pensando contra a Lava Jato, que é de 2014. Qualquer um que o tenha lido sabe que nada há lá que obste o trabalho da Força Tarefa.

Prestem atenção a esta outra fala:
“O Congresso deveria estar preocupado em criar mecanismos adequados para nós combatermos a corrupção, e não mecanismos para punir os juízes que estão fazendo justamente o julgamento desses casos. Isso é o que nós estranhamos, que estamos denunciando e que não vamos aceitar de maneira nenhuma”. Seu autor é Roberto Veloso, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil). Pois é. O chato é que ele está falando justamente sobre os supersalários. Quando se considera que cortá-los é uma retaliação ao Judiciário, o que se faz é admitir, na prática, que o Judiciário paga supersalários. E paga, né?

O presidente da AMB ainda se referiu assim ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL):
“Nós percebemos que ele [Renan] está muito mais interessado em resolver o seu problema, em relação ao seu envolvimento na Operação Lava Jato ou o seu indiciamento. O que importa é que durante muito tempo em que ele esteve no poder o país foi saqueado. Acho que isso já é justificativa suficiente para um homem público ou se afastar do cargo ou tomar providências que sejam positivas”.

Pois é… Por mim, Renan não seria nem senador — e, pois, de jeito nenhum ocuparia a Presidência do Senado. Mas o que espero de um juiz é que defenda o devido processo legal. Não consta que essas associações tenham se indisposto com Renana antes de este tomar inciativas que não do agrado da corporação.

Vamos botar os pingos nos is? Vamos! Não fica bem os representantes da corporação pegar carona na Lava Jato, que tem o maciço apoio dos brasileiros, para defender o indefensável — e os supersalários são indefensáveis. Da mesma sorte, cumpre não insistir na tese falsa — também com base na popularidade da força-tarefa — de que o projeto que altera a lei de abuso de autoridade poderia trazer prejuízos à operação.

Isso até agora não foi demonstrado por ninguém. Meu desafio para que se prove o contrário está, até agora, sem voluntários.

Para encerrar
A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), relatora da comissão que vai fazer um pente-fino nos salários, esteve na manhã desta quinta na Procuradoria-Geral da República para tratar do assunto. E disse a coisa certa: “Garantimos [a Rodrigo Janot] que não existe uma caça às bruxas, que nós estamos tentando fazer a nossa parte. Eu, particularmente, como relatora [da comissão especial], fiz questão de não verificar salário por salário, porque não é a minha intenção. Minha intenção é fazer a norma, e não desmoralizar as instituições do país”. Na mosca!

Ah, sim: os que defendem que se extrapole o teto deveriam dizer o que se deve fazer, então, com a letra morta da Constituição.

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