Campanha em Porto Alegre vai da tragédia à baixaria mais vil

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 19/10/2016 12h39
Reprodução/Facebook REP - Plínio Zalewski

É incrível o que a irresponsabilidade e o desespero diante da derrota podem fazer na política. É impressionante que, em 2016, assista-se, em Porto Alegre, uma das cidades mais desenvolvidas do Brasil, a um faroeste moral que não respeita nada: vida, morte, lógica, bom senso…

Os gaúchos conhecem bem o poder político que pode ter o suicídio. Um dos ilustres filhos da terra, vindo lá de São Borja, resolveu usar a própria vida contra o seu inimigo… mortal! Refiro-me a Getúlio Vargas e Carlos Lacerda, respectivamente. Não estava ali um exemplo a ser seguido. Getúlio se matou. Mas a vítima maior de seu gesto foi o destino do Brasil. Não se lavam nem a verdade nem a mentira com sangue. Ele é o oposto da alta política.

Quem é de Porto Alegre já entendeu que estou me referindo à morte de Plínio Zalewski, que era coordenador do plano de governo de Sebastião Melo, candidato do PMDB à Prefeitura, que disputa o segundo turno com Nelson Marchezan Jr., do PSDB.

Zalewski foi encontrado morto no banheiro da sede do PMDB na tarde desta segunda, na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Nota à margem: o assassinato de João Pessoa é uma espécie de estopim da Revolução de 1930, que levou Vargas ao poder. Governou como ditador até 1934, quando é promulgada a nova Constituição. Bastaram-lhe três anos de governo constitucional. Em 1937, dá o golpe do Estado Novo e segue como ditador até 1945. Voltemos ao caso de Porto Alegre.

O assessor do PMDB foi encontrado com um profundo corte no pescoço. Ao lado, estava uma faca, provável instrumento do ferimento e um bilhete ensanguentado, praticamente ilegível. Fala-se em suicídio. Que se investigue direito. A degola — é praticamente disso que se trata — não é exatamente um método convencional de as pessoas se matarem. Por outro lado, não é tão raro nos casos de homicídio, especialmente quando envolvem vingança. Nenhuma hipótese deve ser descartada.

Suicídio?
Apego-me, com todo respeito ao sofrimento de seus familiares e amigos, à hipótese do suicídio. Não quero especular sobre as causas. Mas, como sabem os estudiosos da área, e sem querer ser nem tautológico nem irônico, só os suicidas se suicidam. Por mais aguda que seja a dor de uma pessoa em razão de uma agressão moral, de uma perda traumática, de uma decepção profunda, pôr fim à própria vida não é uma determinação que venha de fora para dentro. Não raro, os suicidas que realizam o seu intento já fizeram tentativas anteriores ou chegaram bem perto disso.

Mesmo os que, como Getúlio deixou em carta, imaginam que sua morte representará um golpe nos adversários (e isso está escrito lá), é evidente que se trata de um erro de avaliação a que só um estado de profunda desordem mental, ainda que momentânea, pode conferir eficácia.

A campanha no Rio Grande do Sul vive lances de guerra judicial de parte a parte. Há também manifestações explícitas de violência. O comitê de campanha de Marchezan, por exemplo, foi metralhado duas vezes na madrugada de segunda-feira — na tarde daquele dia, encontrou-se o corpo do assessor do PMDB. Zalewski pertencia a esse ambiente tenso. E tinha experiência política.

O fato de ser ele próprio alvo de três ações judiciais certamente não justifica um ato extremo. Tinha mulher. Tinha filhos. Amava e era amado. Esse ambiente não lhe era novo. Por isso, acho que as pessoas lógicas não devem se conformar facilmente com a hipótese de suicídio.

O vídeo
Na guerra sem limites morais, tenta-se colocar, entre os fatores que teriam levado Zalewski ao gesto extremo, o seu descontentamento com um vídeo de autoria do youtuber Arthur Moledo do Val, em que este questiona a sua condição de funcionário da Assembleia Legislativa e um dos principais esteios da campanha de Melo. Arthur é ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre), que apoia a candidatura de Marchezan.

É espantoso que se possa descer tão baixo. Reitero: na hipótese de que se trate mesmo de um suicídio, é evidente que tentar atribuí-lo a ações judiciais de adversários ou a um vídeo — práticas corriqueiras da política, próprias de um meio ao qual Zalewski pertencia por opção — é de uma indignidade assombrosa. Trata-se de um esforço para fazer um morto render votos; trata-se de uma exploração baixa e vil de uma tragédia pessoal e familiar; trata-se de uma vigarice política de incrível irresponsabilidade; trata-se de um esforço deliberado de tentar fazer o ódio tomar o lugar do bom senso.

Concluo
A degola não está entre os métodos corriqueiros de suicídio, como sabem todas as pessoas obrigadas a lidar com isso. Ao contrário: é uma ocorrência raríssima. Por isso, é bom que não se descarte o homicídio. Na hipótese, no entanto, de que Zalewski tenha se suicidado, parece-me evidente que se deve deixar de lado a motivação política. Nem ações judiciais nem vídeo representavam golpes duros o suficiente para levar alguém a gesto tão extremo. Até o suicídio tem literatura específica, que desautoriza essa ilação.

Insistir nisso é coisa de vigaristas que pretendem faturar em cima de um cadáver.

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