Devido ao descaso com a pandemia, governo pode perder apoio até dos evangélicos

Grande parte das lideranças religiosas que apoiaram Bolsonaro em 2018 agora se assusta com o comportamento diante da Covid-19 e busca uma terceira via para 2022

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 23/04/2021 13h43 - Atualizado em 23/04/2021 13h51
Paulo Guereta/Agência O Dia/Código Imagem/Estadão Conteúdo - 20/06/2019 Vestindo uma camiseta brancacom Jesus escrito em azul, Jair Bolsonaro, ao lado de homem com a mesma roupa, olha para o chão e faz sinal de arma com a mão O presidente da República, Jair Bolsonaro, participa do maior evento evangélico do país, a Marcha Para Jesus

A relação entre o presidente Jair Bolsonaro e os demais setores e poderes do país nunca foi boa. Mas dava para ir levando. Com o tempo, esse cenário foi se transformando, sempre para pior. Bem que o presidente tentou costurar apoios, mas as iniciativas foram em vão. Chegou-se a um ponto em que tudo parece saturado, cada um defendendo seus interesses. Tantos foram os deslizes, que o Brasil ficou em desavença com o mundo. Podem escrever: o discurso cordato de quinta-feira, 22, na Cúpula do Clima, nada valeu. É só esperar para conferir. Agora começa a haver problema entre os evangélicos, um dos pontos mais fortes da base governista. Os líderes protestantes e igrejas que formam a base do presidente começam a mudar. Eles já não estão tão satisfeitos como em 2018. Muitos pastores pregam abertamente uma nova posição, em busca de um terceiro nome, que não seja Luiz Inácio da Silva ou Jair Bolsonaro.

O racha na base evangélica do presidente se deve ao tratamento que ele deu, e ainda dá, à pandemia, sempre dizendo não a praticamente todas as iniciativas de enfrentamento ao vírus chinês. Grande parte dessa base fala numa terceira via, outra persiste no apoio por uma questão prática: evitar a volta de Lula à presidência da República. Mesmo estes desaprovam a conduta de Bolsonaro na crise da Covid-19. O humor dos evangélicos não melhorou, mesmo diante do empenho do governo em favor dos templos abertos. Não adiantou. Pode-se dizer que Bolsonaro perdeu a maior parte desses apoiadores. Até mesmo por uma questão religiosa. Não é possível que alguém, seja quem for, se comporte dessa maneira diante de uma doença tão grave que, só no Brasil, já matou mais de 370 mil pessoas. E em momento algum as famílias dessas pessoas mereceram do presidente uma palavra de conforto, de encorajamento. Nada. Foi sempre aquela negação diante do que o mundo vê com enorme sofrimento. Isso cansou.

Esse afastamento começou exatamente no dia 29 de março de 2020, quando o presidente convocou os evangélicos para um dia de jejum, no que foi atendido. Nessa ocasião, 36 líderes religiosos gravaram um vídeo no qual “atendiam à proclamação santa feita pelo chefe supremo da nação”. Neste ano de 2021, não houve nada disso. Na cerimônia para a troca de seis ministros, só três líderes evangélicos compareceram e, mesmo assim, com muita reserva. Por exemplo, o pastor Samuel Câmara, da Assembleia de Deus Belém, que em 2020 gravou o vídeo, afirma que hoje tem muitas restrições ao comportamento de Bolsonaro num tempo tão difícil para o país. Ele diz que os evangélicos acham que o capitão devia ser mais protagonista, mas mostra-se extremamente inflexível. Câmara e a grande maioria das lideranças das igrejas evangélicas defendem o uso da máscara e a vacinação — e que essas medidas precisam se sobrepor às vontades ou convicção do presidente.

Além do comportamento de Bolsonaro na pandemia, há outra questão que as lideranças evangélicas não aceitaram quando houve a troca de ministros. Eles se sentiram à margem com a mudança ministerial, especialmente em relação ao ex-ministro da Justiça, André Mendonça, que é evangélico. Ao mesmo tempo, começa a crescer na sociedade o repúdio ao governo, acusado de obrigar médicos a receitar o chamado “kit Covid”. São profissionais da linha de frente ao combate da doença que relatam abusos e coerção frequentes em favor desses medicamentos sem eficácia comprovada na prevenção ao tratamento da Covid-19. Esses remédios estão sendo alardeados por autoridades e até colegas como uma solução mágica. Pois o chamado “tratamento precoce” também começa a ser discutido pelos eleitores certos de Bolsonaro, que já não são tão certos assim.

A verdade é que, em pouco mais de dois anos de governo, vários episódios provocados pelo presidente estão se somando e chegaram à sua base de apoio, que já se mostra dividida para 2022. Enquanto isso, o ex-presidiário Lula iniciou sua peregrinação para se aproximar dos evangélicos, uma parte significativa dos eleitores brasileiros. Mas, com Lula, muitos sabem que a mentira é deslavada, o que é próprio dos dissimulados. A situação atual é essa. Os evangélicos estão se afastando de Bolsonaro, mas não desejam ver o PT de volta à chefia da nação. O Brasil não merece esse castigo. Não merece a volta de uma quadrilha de malfeitores que delapidaram os cofres públicos em assaltos nunca vistos na história da humanidade. Os evangélicos tentam encontrar uma terceira via, mas é difícil. Pelo menos por enquanto, esse terceiro nome não existe no Brasil, já que todos que estão aí são figurinhas carimbadas.

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