Movimentos por uma educação antirracista vêm em boa hora

Iniciativas de escolas particulares surgem quando o assassinato brutal e covarde de João Alberto ainda está na pauta dos dias, um crime bárbaro que teve esse desfecho por causa da cor da pele da vítima

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 26/11/2020 12h25
Paulo Pinto/FotosPublicas Pessoas foram às ruas em protesto pela morte de João Alberto Silveira Freitas, homem negro que foi morto por espancamento por dois homens brancos em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre

Pais e mães de alunos de escolas de elite de São Paulo pedem para seus filhos uma educação antirracista. Já são três movimentos que se articulam com essa finalidade. Os líderes desses movimentos afirmam ser preciso “sair da bolha”. As famílias pedem, também, uma maior representatividade de negros nos corpos docente, discente e diretivo das escolas. É tal a brutalidade que corre no país, incluindo o racismo declarado, que a própria população resolve, ela mesma, cuidar dos graves problemas que enfrenta, na falta de autoridade de um país que ruma para o autoritarismo. Ingênuos os que têm dúvida quanto a isso. Grupos de pedagogas fazem um alerta sobre o currículo que deve ser alterado para os tempos atuais, bem como uma formação de educadores mais cuidada. Esse primeiro movimento foi iniciado em maio deste ano, quando o adolescente João Pedro morreu baleado dentro de sua casa no Morro do Salgueiro, no Rio de Janeiro. A casa de João Pedro foi atingida por mais de 70 tiros. Logo a seguir, o cidadão negro norte-americano George Floyd foi assassinado por policiais brancos nos Estados Unidos. Um deles colocou o joelho no pescoço de Floyd, levando-o à morte por asfixia.

Na noite desse crime e nos dias posteriores, os Estados Unidos viveram uma onda de violência das maiores de sua história, em que os cidadãos, brancos e negros, demostraram sua indignação com mais um crime considerado racista. O movimento das escolas de elite de São Paulo cresceu agora, com o assassinado de João Alberto, homem negro de 40 anos, morto por dois seguranças brancos de um supermercado em Porto Alegre. Crimes assim se multiplicam e tudo vai para a vala do esquecimento. Parece que a sociedade está anestesiada com casos assim. Tudo passou a ser normal. Certamente é o novo normal. Felizmente, nem todos pensam dessa maneira, tanto que pais e mães da elite paulistana se engajaram e estão se articulando para exigir uma educação antirracista nas escolas particulares da cidade.

Um dos fundadores do movimento, Caio Maia, pai de três filhas que estudam Colégio Vera Cruz, um dos mais tradicionais de São Paulo, fala da falta de mobilização diante de um problema que se agrava cada vez mais. A partir daí, criou-se a Liga por Escolas Antirracistas com a mesma reivindicação e também formado por famílias de filhos que estudam em escolas de elite com mensalidade que chegam a custar mais de R$ 4 mil por mês. A advogada Evie Barreto Santiago é uma das mães que coordenaram a formação de um grupo antirracista para famílias no Colégio Equipe, objetivando uma revisão total do currículo para acabar de vez com o eurocentrismo e para trazer outras visões de mundo, em um ambiente de discussão perene sobre o racismo estrutural. Evie cita palavras de Sílvio de Almeida, negro, advogado, filósofo e professor universitário, autor de vários livros sobre o tema, destacando-se o “Racismo Estrutural”. Silvio de Almeida observa que o racismo mata e que a presença dele nas escolas particulares reverbera na rua, na forma como a polícia trata o negro, no desemprego, na atenção à saúde pública. Observa que tudo isso é fruto de uma sociedade insensível.

Já a pedagoga Juliana de Paula Costa, pesquisadora de causas raciais na Educação,  uma das fundadoras do movimento “Pisar nesse chão devagarinho”, que trabalha com a educação antirracista para crianças, diz ser importante tomar cuidado para que a movimentação não acabe se restringindo somente a uma mudança de imagem. Observa que as escolas precisam revisar o currículo para repensar o programa de cada área, alterar os livros e, o principal, trabalhar na formação continuada dos educadores e dos gestores. Esses movimentos vêm em boa hora, em que o assassinato brutal e covarde de João Alberto, em Porto Alegre, ainda está na pauta dos dias. Um crime bárbaro que teve esse desfecho por causa da cor da pele da vítima. O Brasil parece ter perdido o controle do combate ao crime, todo tipo de crime. E some-se a isso o crime organizado, o crime praticado por políticos inescrupulosos, que sempre escapam da cadeia. Essa fotografia brasileira, agora também manchada com crimes de racismo, tem de mudar. Precisa mudar. Resta saber se ainda há tempo para isso.  

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