No Amazonas, estão todos mergulhados num poço sem fundo onde a vida não tem valor

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello foi a Manaus neste fim de semana para comandar as ações de combate à Covid-19, mas devia ter feito algo antes

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 25/01/2021 12h50
EFE / Fabio Motta Eduardo Pazuello imagem de perfil A Procuradoria-Geral da República pediu ao STF abertura de inquérito contra Pazuello pelo colapso em Manaus

A angústia de Manaus e de todo o estado do Amazonas ainda não terminou. Não. Estão todos mergulhados num poço sem fundo onde a vida deixou de ter valor. As medidas de solidariedade tomadas por outros estados do país suavizam um pouco a situação. Só um pouco. A questão da falta de oxigênio ainda faz parte daquela paisagem sombria. As pessoas continuam a morrer por asfixia. Parece – só parece, não se tem certeza – que o governo se tocou no que diz respeito às suas falhas. Agora é preciso somente achar um nome para pagar essa conta. No sábado, 23, o procurador geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito contra o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, acusado de omissão na tragédia de Manaus e em todo Amazonas, especialmente no que diz respeito à falta de oxigênio. Os hospitais lotaram com doentes atingidos pela Covid-19. A denúncia afirma que o general ministro da Saúde sabia o que estava por acontecer e não tomou a providência necessária. Melhor dizendo: enviou para Manaus 120 mil comprimidos de cloroquina. Claro que é uma loucura que não cabe em qualquer circunstância, especialmente numa crise em que a vida acabava para dezenas de pessoas sem nenhum atendimento médico.

No próprio sábado, 23, à noite, o ministro general viajou para Manaus sem marcar o retorno para Brasília. Informou apenas que ficará por lá por tempo indeterminado. Pazuello chegou a Manaus quase meia-noite com 135 mil doses da vacina de Oxford em parceria com a AstraZeneca. Antes de viajar, o ministro disse que vai comandar, ele mesmo, as ações em Manaus contra a Covid-19. Devia ter feito antes. De acordo com o procurador-geral Augusto Aras, o ministro general será investigado criminalmente. O pedido de investigar Pazuello foi feito pelo partido Cidadania, que quer uma apuração do ministro general por prevaricação. Mas Augusto Aras solicitou a investigação sem citar crime nenhum. O procurador-geral concluiu pela necessidade de uma “investigação para realizar um aprofundamento sobre os gravíssimos crimes imputados a Pazuello”, no dizer de Aras, lembrando que o ministro tinha conhecimento da situação de Manaus desde o Natal, com o aumento assustador de casos de infectados pelo vírus. E diante disso, somente no dia 3 de janeiro o ministro decidiu enviar para Manaus um representante que nada decidiu. Representante é para essas coisas. No dia 8 de janeiro, o ministro general teve conhecimento da falta de oxigênio, mas iniciou a entrega somente no dia 12. No dia 14, ao participar da live do presidente Bolsonaro, o ministro-general reconheceu o colapso total do setor da saúde em Manaus. E ficou por isso mesmo. A live seguiu em frente como o espetáculo semanal em que se transformou. Pazuello viajou para Manaus no dia 6 de janeiro e, a seguir, escreveu e assinou as conclusões de sua viagem, adiantando a possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde em, no máximo, 10 dias, “devido à falta de recursos humanos para funcionamento dos novos leitos”, conforme diz o documento. E o que fez o ministro? Não fez nada. Ficou esperando pelo pior, talvez acompanhando o noticiário, inclusive internacional.

No pedido de investigação de Pazuello, Augusto Aras lembra, ainda, a recomendação de remover os pacientes para outras cidades, o que foi feito somente nove dias depois. Aras observa que todos esses fatos caracterizam omissão passível de responsabilização cível, administrativa ou criminal. Ou ainda administrativa e criminal. Pazuello pouco falou sobre essa investigação determinada pelo procurador geral da República. Mas se queixa muito da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), apontando Fábio Faria e Fábio Wajngarten por suas desgraças dentro do governo. Diante desses dois, o ministro general se diz meio perdido sem saber que rumo tomar. Soma muito nessa história a nomeação feita por Pazuello de seu colega de patente, general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, que já chegou pregando o estado de sítio, o estado de defesa e intervenção federal para combater a Covid-19. O general Ridauto afirmou que o presidente Bolsonaro deveria intervir nos Estados onde os governadores não estivessem seguindo as orientações para combater a doença. Tudo isso morreu como nasceu. Augusto Aras não cita o presidente Bolsonaro nenhuma vez no pedido de investigação de Pazuello. Mas auxiliares do ministro afirmam entre eles que o Pazuello apenas seguiu a orientação traçada pelo presidente da República, inclusive de enviar para Manaus, no auge da crise, 120 mil compridos de cloroquina, pregando a praga do “tratamento precoce”.

Ficou tudo nas costas do ministro que tantas vezes já se mostrou servil e agora tudo indica que está colocando sua cabeça em risco, assumindo tudo que foi feito de errado em Manaus e em muitas outras regiões do país, mesmo agora, já em tempo de vacinação, em que a vacina é desacreditada pelo próprio governo. A ideia que passa toda essa história é que alguém tem que pagar por tanto desmando e até muito descaso pelo que vem ocorrendo no país desde o início da pandemia. Tudo indica que o escolhido será – ou já foi – o ministro Eduardo Pazuello, que está agora em Manaus, numa viagem inesperada. O que o ministro está fazendo lá? Quer mostrar serviço? É angustiante pensar assim. Mas não pode ser diferente. Manaus e o Amazonas continuam mergulhados numa crise sem precedentes na região. O momento de agir passou. O governo sabia de tudo que estava acontecendo. Todos ficaram observando. Somente isso. Quando explodiu de vez, não havia mais tempo para nada. Então, é preciso encontrar um nome para pagar essa conta. Isto aqui parece o fim da linha. Deve ser mesmo o fim da linha. Se não for, o que está ainda por vir?

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