O que é mais importante: um visual de arrasar ou curtir os amigos?
Quem já errou o dress code em uma festa (mulheres, principalmente) sabe o quanto isso pode ser devastador, uma decisão da qual a gente se arrepende para sempre
Já sabemos que a vida é feita de frustrações e dos intervalos entre elas. Em maior ou menor grau, desde a infancia, elas marcam nossa vida dolorosamente. Essa é a história de uma frustração que eu vivi recentemente. Talvez você a ache fútil. E acho que ela é mesmo. Mas isso não a impediu de assolar intensamente um momento da minha vida. Como somos todos espíritos elevados, não vamos menosprezar a dor dos outros. Quem já errou o dress code em uma festa (mulheres, principalmente) sabe o quanto isso pode ser devastador. Outro dia, a sócia muito querida do meu marido se casou com uma mulher que eu não conhecia, mas, depois de cumprimentá-la, me deu vontade de ser sua amiga. A celebração foi pautada por amor verdadeiro e profundo, homenagens lindamente cantadas e dedilhadas ao violão, além de muita emoção genuína dos seletos convidados. Lá, encontrei pessoas que eu não via havia anos. Confesso, envergonhada, que não reconheci algumas delas, mas me receberam com festa mesmo assim, corrigindo gentil e alegremente minha memória pós-Covid.
A festa estava cheia de gente do mercado audiovisual (cinema, trilha sonora, fotografia). Ou seja, gente interessante e divertida pra caramba. Ainda tive uma deliciosa surpresa. Um dos padrinhos do meu casamento e o seu namorado, amigos muito próximos — mas, lamentavelmente, distantes pela vida corrida —, surgiram na festa. Quanta oportunidade de me conectar com as pessoas. Meu filho se esbaldou. Tem eventos em que ele fica o tempo todo sentado, de sapato apertado, no TikTok. Nessa, o clima era tão livre e leve que ele ficou rodando espontaneamente pelo espaço, se comunicando com todo mundo. Em determinado momento, uma moça muito simpática me perguntou: “Você é a mãe do Antônio?”. Eu disse que sim, que eu era esposa do Guilherme. Ela me disse: “Guilherme eu não sei quem é, mas o Antônio já é meu amigo”.
O casamento foi de dia, numa casa modernista elevada por pilotis, com esquadrias amarelas, um quintal generoso, muito verde e luzinhas cruzando o jardim, só para confirmar que poderia ser na Toscana. Maravilha, né? Só que teve um pequeno detalhe. Antes do casamento, eu fui atrás de uma roupa bacana para ir à festa. Fiz a mão, o pé e a sobrancelha e programei de fazer cachos estonteantes no babyliss (ou uma trança embutida, quem sabe). Para uma mulher minimamente vaidosa, uma festa dessas, além de uma curtição, é sempre uma oportunidade de brilhar. Preocupada com o meu look, fui à casa de uma amiga, provei tudo o que ela tinha de colorido e florido e escolhi uma saia longa magnífica. Depois ainda me lembrei de um vestido meu, divino, simplesmente estampado com a cara da Frida Kahlo (imagina isso no meio do público das artes). Dá para ser mais perfeito?
Pois bem, minha irmã, que também foi convidada e tem a credencial de ser uma excelente personal stylist, se deu ao trabalho de me ligar para dizer que eu não me emperiquitasse para a festa, pois seria superinformal. Ela própria não foi, pois ficou doente, mas certamente não iria seguir seus próprios conselhos e arrasaria. Meu marido, que não tem credencial de porra nenhuma, corroborou essa informação, ressaltando que, para que eu tivesse uma ideia, o menu seria comida de festa junina feita pelas noivas. Ou seja, eu já pintei a cena de uma delas tirando um curau de milho de um cesto de palha e a outra me oferecendo uma linguiça no palito. Ok, estava claro, seria um casamento despretensioso, alternativo e até “hiponga”, como disse um deles. Para melhorar, no dia fez frio. Ainda falei com os dois malditos (sister e husband) que me disseram que era oficial: com qualquer roupa que eu fosse, mesmo guarnecida de uma descontraída jaqueta jeans, eu ia congelar.
Aí veio a cagada. Aquela decisão da qual a gente se arrepende para sempre. Para sempre é um termo forte, mas, para uma pessoa como eu, foi o suficiente para chorar um domingo inteiro e ainda derrubar umas lágrimas nos primeiros dias da semana. Pressionada, raivosa, sei lá, eu simplesmente resolvi desencanar e fui com uma roupa perfeita para tomar um sorvete no shopping. Uma calça preta, uma sapatilha preta, uma blusa de viscose (quem conhece sabe que não era o caso) e um casaco cinza estranho da minha mãe. Dropei um rímel e não fiz porra nenhuma no cabelo. Chegando lá, o que eu encontro? Mulheres descoladas com os tais vestidos coloridos e floridos, cabelos feitos, maquiagem de responsa. Sabe quando dá vontade de apertar “ctrl + Z” na vida real? Imagina como eu me senti.
Meu marido, canalha, foi de calça, camisa e sapato. Um lindinho. A festa era longe da minha casa, mas eu deveria ter voltado na hora pra me trocar. Mais um “turning point” onde eu peguei o caminho errado para me martirizar ainda mais depois. A comida era mesmo junina, mas muito bem servida por garçons e copeiras, vestidas como eu. Resultado: ninguém falou nada, como é óbvio. Fotinhos coletivas para o Instagram abraçada a vestidos modernamente estampados e sapatos estilosos, e eu trajada com roupa de aeroporto e cabelo recém seco ao vento. Se a festa foi boa? Foi demais. Se as pessoas foram carinhosas comigo? Super. Elogiaram meus textos? Mais do que eu mereço. Comi canjica até ir embora? Você não tem ideia. Mas nada disso conseguiu evitar que, no fim da festa, ao tirar o maldito rímel, eu caísse num pranto ininterrupto de 24 horas, remoendo sofridamente o que eu poderia ter feito para salvar aquela situação.
Ardi no arrependimento e sabemos que arrependimento é veneno para alma. Amassei o vestido da Frida e a saia da Farm e soquei dentro do armário (com socos mesmo). Contei essa história para algumas pessoas, na tentativa de elaborá-la. Eu sei que parece “over”, mas confesso que ela rendeu uma consulta inteira de terapia. Como o pessoal me consolou? “Bem que eu achei sua roupa estranha na foto”. “Não entendi nada quando vi você de preto”. “Agora que você aprendeu, na próxima não erra”. “É por isso que eu digo: é preferível ir ‘overdressed’ do que ‘underdressed'”. É fácil ser engenheiro de obra pronta. Meu coração só amansou quando contei a história a uma amiga muito especial, que disse: “Nossa, mas sua energia estava tão radiante nas fotos que eu nem reparei na sua roupa. Você estava linda, amiga”. Amada. Foi aí que parei e me dei conta, constrangida, o quanto o amor das noivas, as risadas, o carinho, a boa música e a canjica não podem ser menos importantes do que cachos largos.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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