É possível revogar a reforma trabalhista, como chegou a mencionar a campanha de Lula?

É preciso esclarecer que uma lei não pode ser revogada pelo Presidente da República; para que isso ocorra, é necessário que se inicie o processo legislativo com discussão sobre o tema por deputados e senadores

  • Por Claudia Abdul Ahad Securato*
  • 29/06/2022 10h05
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WAGNER VILAS/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva em evento de lançamento de plataforma colaborativa para construção do plano de governo da chapa eleitoral Lula e Geraldo Alckmin, pré-candidatos que integram uma chapa à presidência da República, durante lançamento das diretrizes do programa de governo

No debate das eleições presidenciais de 2022, o tema das reformas legislativas sempre vem à tona e, dentre elas, está a discussão sobre uma eventual revogação da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), a qual entrou em vigor no governo Michel Temer. Em tempos de polarização, são também opostas as propostas quanto à legislação trabalhista. De um lado, o pré-candidato e atual presidente da República, Jair Bolsonaro, propõe a manutenção, e até ampliação da reforma trabalhista com novas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho; e, de outro, o pré-candidato e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva propõe a sua revogação, já que no seu entendimento a reforma trabalhista teria fracassado em sua principal promessa de combater o desemprego gerado pela crise econômica de 2014, através da geração de novos postos de trabalho.

A reforma trabalhista foi publicada no Diário Oficial em 14 de julho de 2017 e entrou em vigor 120 dias depois. Para isso, foi necessária a aprovação tanto da Câmara dos Deputados como do Senado, sendo que, somente após o trâmite no Congresso, teve que contar com a sanção do Presidente da República. Assim, inicialmente, é preciso esclarecer à população que uma lei não pode ser revogada unilateralmente por nenhum Presidente da República. Para que isso ocorra, é necessário que se inicie o processo legislativo com ampla discussão sobre o tema por deputados e senadores.

Existem meios legítimos para a revogação da reforma trabalhista, claro, mas é necessário que outra lei expressamente revogue suas normas, ou então, que crie outras regras que sejam incompatíveis com aquelas da lei anterior. Depois de todo o processo nas Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a nova lei será levada à sanção pelo Presidente da República. Também seria possível a aprovação de emenda constitucional para inserir na Constituição Federal normas que, por serem incompatíveis com aquelas da reforma trabalhista, acabem por prevalecer sobre elas, ainda que não haja uma revogação expressa. Essa hipótese, porém, é mais difícil de se concretizar, uma vez que a aprovação de uma emenda constitucional pelo Congresso necessita de um quórum bem maior do que o exigido para aprovação de uma lei.

De acordo com a Constituição Federal, os poderes no Brasil são divididos em Executivo, responsável pela administração do Estado; Legislativo, responsável por legislar, isto é, propor leis; e Judiciário, responsável pela interpretação e execução das leis. A tripartição de poderes foi criada com o objetivo de impedir a concentração de poder e impossibilitar que o governo de uma só pessoa ditasse as regras do país. No Brasil, a adoção desse modelo tem exatamente essa função, sendo que cada um dos poderes deve atuar de maneira independente, fiscalizando o outro para evitar que eles excedam seus limites.

Com isso, no dia 10 deste mês, depois da polêmica em torno da divulgação da prévia do programa de governo petista, em especial acerca do termo “revogação” da reforma trabalhista, que disse que promoveria, Lula garantiu que esse termo será extinto do programa. As próprias centrais sindicais se opõem à revogação de todos os pontos do texto. Elas defendem um ajuste fino, mantendo parte do poder de negociação dos trabalhadores, e dando atenção especial a alguns setores, como trabalhadores de aplicativos. Com isso, Lula passou a afirmar que a ideia é substituir “revogação” por “modernização”, já que isso, não pode ocorrer por ato unilateral do presidente, em nenhuma hipótese.

Todos os debates entre a sociedade no período eleitoral são um grande exercício da democracia, em especial relacionados à modernização das leis trabalhistas que impactam a todos os empregados e empregadores. Porém, é importante que essas discussões respeitem o processo democrático, em contraponto com o peso de promessas eleitorais.

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*Claudia Abdul Ahad Securato é advogada especialista na área trabalhista, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados e professora na Saint Paul Escola de Negócios. Ela estreia hoje a sua coluna quinzenal no site da Jovem Pan.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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