Regulamentação da licença-paternidade é urgente e contribuirá para a redução das desigualdades

Ao reconhecer a importância do papel do pai no cuidado dos filhos, vamos promover uma sociedade mais igualitária, onde a responsabilidade parental é compartilhada de maneira justa

  • Por Claudia Abdul Ahad Securato
  • 29/11/2023 17h48
Pexels/Pixabay Pai abraça bebê no colo O tempo de licença previsto em apenas cinco dias revela-se inadequado para estabelecer laços significativos entre ambos os pais e seus filhos

Recentemente voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal o tema da regulamentação da licença-paternidade. A Constituição Federal entrou em vigor em 1988, prevendo que homens teriam direito à licença paternidade no nascimento ou adoção de filhos, cujos termos deveriam ser regulamentados por lei. Ocorre que, passados 23 anos, o Congresso Nacional ainda não regulamentou o tema, por isso, desde então, continua sendo aplicada a licença de apenas cinco dias, regra genérica que permanece à espera de regulamentação. E ainda hoje, a discussão perante o STF ainda não encontra consenso ou posicionamento firme no sentido de quantos dias serão concedidos de benefício. A ausência de regulamentação legislativa evidencia um descaso persistente com esse tema.

Essa omissão reflete na percepção social que relega a paternidade a um papel secundário no cuidado com os filhos. Esse paradigma é danoso e precisa ser superado. A família é a microestrutura da sociedade e a base de formação das pessoas. A forma com que os pais se relacionam, a atenção dada aos filhos, a dedicação ao bem estar comum, todos esses elementos são aprendidos no ambiente familiar desde a infância e refletem em seus comportamentos adultos. Ao tratar da licença-paternidade, estamos falando do direito fundamental da criança de receber afeto e convivência igualitária com ambos os pais desde o momento do nascimento ou adoção, e de toda a família se beneficiar com a presença paterna no momento da chegada do novo membro da família. A sociedade muitas vezes enxerga as mulheres como executoras de suas obrigações maternas, atribuindo-lhes habilidades inatas nos cuidados infantis. Em contrapartida, os pais são frequentemente desencorajados a assumirem um papel ativo na criação dos filhos, sendo justificados por argumentos obsoletos como a suposta “falta de jeito” para tais responsabilidades, ou a ideia de que a mera provisão material seria sua única contribuição necessária.

Cabe observar que a lei existente hoje ainda reverbera a ideia de uma família nuclear, com uma mãe, alguns filhos sob sua exclusiva responsabilidade e um pai sem a obrigação prioritária de cuidado direto. As famílias com outras configurações, como dois pais ou duas mães ainda precisam acessar a Justiça para receberem seus benefícios, e os juízes tendem a dar a um dos cônjuges o benefício de 120 dias de licença-maternidade e ao outro o benefício ínfimo de cinco dias da licença-paternidade. O tempo de licença previsto em apenas cinco dias revela-se inadequado para estabelecer laços significativos entre ambos os pais e seus filhos, comprometendo o desenvolvimento emocional e intelectual das crianças. E isso diz respeito tanto ao nascimento quanto à adoção de crianças, pois todos os modelos de família, quaisquer que sejam suas configurações, se beneficiam com a presença de pais que efetivamente tenham interesse em fortalecer o relacionamento com seus filhos e participar ativamente de suas vidas.

A lei reflete os interesses da sociedade, e, portanto, a omissão do Congresso em regulamentar a licença-paternidade sinaliza a falta de combatividade dos interessados com uma questão que vai além do campo legal. Ela reflete uma sociedade que mantém a visão tradicional de que os cuidados com os filhos são predominantemente responsabilidade materna, o que acaba extrapolando inclusive para casais homoafetivos, nos quais um dos cônjuges é prejudicado com o ínfimo tempo de licença. A busca pela regulamentação não se limita apenas à conquista de direitos formais, mas também visa reconfigurar normas sociais de gênero. Importante relembrar que a licença-paternidade estendida não só promove uma paternidade mais responsável, como também contribui para a redução das desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso, pois, a possibilidade de afastamento das mulheres do trabalho em razão da licença-maternidade é uma grande causa de demissões e de dificuldades na carreira.

A dedicação ao lar e aos filhos costuma ser acrescida às funções de trabalho remunerado, e não substituída. Durante a última década, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), houve aumento de 72,9% na quantidade de domicílios nos quais mulheres assumiram o papel de responsável pela família, aquela com a maior remuneração do lar. Esse número cresceu de 22,2 milhões, em 2012, para 38,3 milhões em 2022. Ou seja, há uma multidão de mulheres responsáveis financeiramente por seus lares, e que ainda assim acumulam com exclusividade as funções de trabalho doméstico e as atribuições da maternidade. A regulamentação da licença-paternidade não é apenas uma questão legal, é uma chamada para uma mudança cultural mais profunda. Ao reconhecer a importância do papel do pai no cuidado dos filhos, promovemos uma sociedade mais igualitária, onde a responsabilidade parental é compartilhada de maneira justa. A urgência dessa mudança é clara, e a legislação deve refletir o compromisso de construir um futuro onde a igualdade de gênero seja uma realidade em todas as esferas da vida.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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