A Lira o que é de Lira

Fernando Haddad criticou Arthur Lira por concentração de poder pela Câmara, mas modelo – que precisa ser aperfeiçoado, claro – tem garantido avanços institucionais e reduzido instabilidade provocada pelo Executivo

  • Por Claudio Dantas
  • 21/08/2023 15h03 - Atualizado em 21/08/2023 16h03
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FREDERICO BRASIL/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO - 06/07/2023 O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fala com a imprensa ao chegar ao Congresso Nacional Aprovação do arcabouço fiscal na Câmara será mais um gesto de força política de Lira

Fernando Haddad estará bem longe do Brasil quando os deputados aprovarem nesta semana o arcabouço fiscal, considerado fundamental para a previsibilidade das contas públicas nos próximos anos. Trata-se de mais um gesto de força política de Arthur Lira, que deseja reforçar a ideia de que é a Câmara, e não o Palácio do Planalto, a responsável por entregar ao país as principais medidas de impacto econômico e social recentes. No tuíte em que rebateu o ministro da Fazenda, após críticas à “concentração de poder”, o presidente da Câmara escreveu que a “PEC da Transição, a histórica aprovação da Reforma Tributária e a votação do Arcabouço Fiscal, votadas para e neste Governo, são legados deixados por uma Câmara dos Deputados comprometida com o país“. 

A narrativa de Lira relativiza a paternidade do governo Lula sobre tais propostas, que, de fato, foram bastante modificadas para serem aprovadas, o que impediu o Executivo de impor uma agenda mais à esquerda. A própria regra fiscal a ser votada é hoje bem diferente daquela proposta originalmente por Haddad, que objetivava a ampliação irresponsável dos gastos públicos sem qualquer gatilho de contenção. Deve-se também à Câmara, cada vez mais poderosa, a aprovação do Marco do Saneamento e das reformas previdenciária e trabalhista, que ajudaram o Brasil a melhorar sua nota de crédito no exterior. A elas se soma a reforma tributária, cujos efeitos serão sentidos a médio prazo.

O orçamento, naturalmente, não pode ser secreto. Precisa de execução transparente e maior controle dos órgãos de fiscalização, a fim de reduzir as chances de desvios. A própria distribuição de emendas obrigatórias ajuda a reduzir o espaço da corrupção, ao eliminar uma das etapas de barganha. Mas é um modelo em desenvolvimento, a ser aperfeiçoado. Seu mérito está na forma como privilegia a relação com estados e municípios, revitalizando o tão abalado pacto federativo e a relação direta do político com seu eleitor. É mais democrático e fruto do amadurecimento do próprio sistema, com a ocupação de espaço de poder pelo Legislativo após sequência de crises envolvendo o Executivo, que parece fonte inesgotável de instabilidade institucional — vide os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff, e as prisões de Lula e Michel Temer.

O atual presidente e seu ministro da Fazenda se ressentem do poder da Câmara, mas também ajudaram a colapsar as expectativas atuais sobre sua própria gestão, ao endereçar discursos e atos a um projeto pessoal revanchista, distante da ‘frente ampla pela democracia’ tão prometida em campanha. A meu ver, o caminho ‘parlamentarista’ trilhado pela República não tem volta, cabendo ao próprio Lira e sucessores a consolidação dessa nova estrutura, que, para não ruir, deve se apoiar num projeto mais coletivo, que respeite o debate legislativo e contemple visões de variados setores da sociedade, sem atropelos ou manipulações regimentais, como ocorreu no caso do PL das Fake News.

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