Barroso assume comando do Supremo com desafio de pacificar relação com Congresso

Ministro recebe legado de pautas espinhosas deixadas por Rosa Weber e que provocaram um levante no Congresso, como a descriminalização do aborto e do porte de maconha para uso pessoal, além da inconstitucionalidade do marco temporal

  • Por Claudio Dantas
  • 28/09/2023 13h45 - Atualizado em 28/09/2023 21h44
Nelson Jr./SCO/STF Supremo Tribunal Federal - STF Ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes durante sessão plenária em 14 de junho de 2023

Luís Roberto Barroso assume hoje à tarde a presidência do Supremo Tribunal Federal em cerimônia que contará com a presença chefes do Executivo e do Legislativo. Entre autoridades dos três poderes, representantes da sociedade civil, empresários e nomes da imprensa, foram convidadas 1,2 mil pessoas. À noite, o ministro será homenageado em jantar oferecido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) com  ticket de R$ 500. Barroso vai evitar o improviso, como faz geralmente em seus votos. O momento sensível na relação com o Congresso e escorregadas públicas recentes (‘perdeu, mané!’ e ‘nós vencemos o bolsonarismo’) exigem cautela. Pretende fazer um discurso em tom conciliador, propondo um ‘pacto pela democracia’. O novo presidente do STF está herdando de Rosa Weber 4.889 processos e uma pauta cheia de temas espinhosos cujo debate deveria se dar no Congresso Nacional, como a legalização do aborto, do porte de maconha, a inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Não à toa, testemunhamos nos últimos dias a reação: aprovação urgente do PL que restabelece o marco temporal, uma proposta de plebiscito sobre o aborto e a retomada da PEC do ‘equilíbrio dos poderes’, que pode dar aos parlamentares poder para derrubar decisões não unânimes do STF. A missão de Barroso passa por realinhar as órbitas dos poderes.  

Jurista de mão cheia e grande orador, liderou por muito tempo a ala mais moderada da corte e proferiu votos históricos. Sempre cortês com seus interlocutores, se considera um humanista de convicções progressistas, mas aberto ao diálogo com todo o espectro político-ideológico. Foi de Barroso, quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a decisão de incluir o Ministério da Defesa no grupo de fiscalização das eleições, medida revogada nesta semana por Alexandre de Moraes. Foi de Barroso a questão de ordem que restringiu o foro privilegiado de parlamentares a crimes praticados apenas durante o mandato. Em tempos de revisionismo histórico, o ministro mantém independência intelectual ao defender que a Lava Jato, apesar dos erros, teve o mérito de expor condutas criminosas e provocar uma mudança na cultura política do país. “Eu não tenho lado em disputa política. Meu papel é interpretar a Constituição e as leis com imparcialidade. Meu lado é sempre o do que é certo, justo e legítimo. Isso inclui enfrentar a corrupção e, também, defender a democracia. Cumpro a missão da minha vida – fazer um país melhor e maior – e ao realizá-la não temo desagradar quem quer que seja”, disse Barroso, certa vez.

Em 2016, o ministro foi autor do voto vencedor no julgamento que revogou a prisão preventiva de médicos e funcionários de uma clínica de aborto, abrindo precedente sobre a descriminalização da interrupção da gestão até o terceiro mês. O tema voltou dois anos depois por meio de críticas de Gilmar Mendes durante outro julgamento, o que levou o ministro a disparar a frase que viraria meme: “Me deixa de fora do seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado.” O colega reagiu: “Feche o seu escritório de advocacia!” Ambos ficaram sem se falar por anos, mas a pandemia e os ataques do bolsonarismo ao Supremo acabaram por reatá-los, a ponto de subscreverem um inédito voto conjunto sobre o piso nacional da enfermagem — decisão que motivou os ataques que recebeu durante convenção da UNE meses atrás. Foi de Barroso também o voto que obrigou Rodrigo Pacheco a instalar a CPI da Covid e também o que proibiu desocupações e despejos durante a pandemia. O ministro ainda exigiu do governo uma série de medidas para proteção dos povos indígenas no período. Suas convicções pessoais, por trás de tais votos, foram expostas no livro “sem data venia – um olhar sobre o Brasil e o mundo”. Quem lê a obra fica com a impressão de que a gestão do novo presidente do Supremo pode aprofundar o embate com o Congresso. Em conversas com representantes de diferentes setores, porém, tem prometido enfatizar pautas que restabeleçam a segurança jurídica e promovam o respeito às instituições a separação dos Poderes. Cabe a Barroso aplicar o que diz ser seu slogan de vida: “Não importa o que esteja acontecendo à sua volta: faça o melhor papel que puder. E seja bom e correto, mesmo quando ninguém estiver olhando.”

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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