Será que Elon Musk vai levar internet para a região amazônica sem uma contrapartida?

É excelente todos os brasileiros terem acesso igual à tecnologia, mas devemos pensar qual o custo disso para o país

  • Por Davis Alves
  • 29/05/2022 10h00
Kenny Oliveira/Ministério da Comunicação/AFP - 20/05/2022 Foto mostrando o presidente Jair Bolsonaro (2-R), seu ministro da Comunicação Fabio Faria (E) e CEO, e o engenheiro-chefe da SpaceX, Elon Musk (2-L), no evento Conecta Amazônia em Porto Feliz Elon Musk visitou o Brasil, encontrou-se com Bolsonaro e divulgou seus planos para a Amazônia

Passamos a maior parte do tempo conectados, seja pelo celular, tablet ou computador. Nossa vida é guiada pela internet: lemos notícias, buscamos informações e nos comunicamos usando a conexão. Já estamos tão acostumados a isso que, quando há alguma falha de conexão, nos sentimos perdidos — quando o WhatsApp sai do ar, por exemplo. Assumimos que todos estão online e esquecemos que no Brasil existem lugares de sombras de conexão, onde as pessoas não têm acesso à equipamentos e, principalmente, internet. A Amazônia é um desses lugares.

Em janeiro deste ano, o governo brasileiro lançou o projeto do cabo de Infovia, cujo objetivo é levar internet de alta velocidade aos Estados do Amapá e Pará, com a instalação de cabos de fibra óptica nos leitos dos rios. Está prevista a construção de oito infovias com uma velocidade mil vezes maior que a banda larga doméstica. Atualmente, grande parte da conectividade de internet entre os países é feito por cabos submarinos, o que exige uma ramificação terrestre para as regiões distantes das áreas litorâneas. A Amazônia, ainda se difere das outras por: a) ser protegida ambientalmente, logo, não é simples construir em áreas remotas torres de transmissão ou fazer a passagens de cabos ou postes entre a floresta; b) ter áreas alagadas devido às cheias naturais dos rios; c) sua falta de infraestrutura física para fornecer eletricidade para as torres de telecomunicações ou cabos aéreos ou subterrâneos.

Por esses e outros fatores, na semana passada, o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, também detentora da tecnologia Starlink, anunciou investimento para a instalação de internet rápida para as escolas rurais na Amazônia e monitoramento do desmatamento nessa área. Serão utilizados os satélites da Starlink, que foi autorizada, em janeiro deste ano, pela Anatel, a oferecer serviço de satélite em todo o território nacional até 2027. O governo pretende conectar 100% das escolas até o final deste ano, além de unidades de saúde e comunidades indígenas onde a fibra óptica não consegue chegar. A ideia é utilizar os serviços da empresa de Musk, o que provavelmente irá resultar em muito desenvolvimento para a região.

Tecnicamente essa tecnologia baseia-se no uso de satélites que orbitam em baixas altitudes — 550 km, contra 36.000 km dos satélites tradicionais que distribuem internet. Em telecomunicações, quanto maior a altitude, maior a lentidão (latência), ou seja, os satélites da Starlink podem operar cerca de 20 milissegundos de comunicação (Satélite – Computador), versus 600 milissegundos, do satélite convencional. Traduzindo: internet muito mais rápida, podendo chegar a 550 Mbps ou mais. Outro ponto que colabora é que o serviço Starlink possui muitos mais satélites em órbita.

Também em comparação com as tão esperadas redes 5G, a internet via satélite possui uma área de cobertura maior do que as antenas necessárias para emissão do sinal. Em uma área do tamanho da Amazônia, é altamente eficaz. Para aquisição, os usuários deverão contratar um plano da Starlink e adquirir o kit, que basicamente envolve uma antena (para conectar no telhado da casa, mirando para o satélite), e um roteador, que receberá o sinal da antena e levará para o seu computador.

Sempre que sabemos de algo, sim, ficamos felizes, pois é excelente todos os brasileiros terem acesso igual à tecnologia, mas devemos pensar qual o custo disso para o país. Será que o empresário Elon Musk fará isso sem uma contrapartida? Ele anunciou que, para o restante da população que quiser utilizar os serviços da Starlink para acessar a internet, o preço será bem salgado. Será que a população da Amazônia, em geral, terá condições financeiras de pagar por isso e se conectar? Outra questão, as escolas rurais da Amazônia têm infraestrutura básica? Digo na questão simples de ter uma escola com condições básicas de uso. O que adianta ter internet e por exemplo, não ter carteiras, lousa ou livros. Devemos pensar primeiro em prover o básico, depois na internet. Outra questão: caso essa conexão seja fornecida às escolas, que tal seria compartilhar com a população no entorno da escola para tornar o acesso mais fácil e democrático? 

Os aspectos técnicos também devem ser questionados. Os satélites da Starlink, americanos, vão respeitar a privacidade dos brasileiros prevista na Lei do Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados, ou podem capturar o conteúdo acessado pelos usuários? Toda ação de ajuda é bem-vinda, mas sempre devemos pensar em todos os prós e contras e o que realmente pode ajudar a população. Entretanto, as inovações que favoreçam a melhora da infraestrutura física e tecnologia do Brasil são o que precisamos para desenvolver o país, que, querendo ou não, ainda é um consumidor de tecnologias estrangeiras.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Instagram: @davisalvesphd.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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