Confrarias de vinho devem dar prazer aos consumidores, não limitá-lo
Ao organizar uma confraria, não se torne escravo do vinho, mas sim seu consumidor, que tem por propósito absorver conhecimentos que ampliem seus horizontes
O prazer anda de mãos dadas com o conhecimento, pelo menos para os seres racionais e dotados de alguma inteligência, e não poderia ser diferente com os vinhos. O conhecimento nasce da curiosidade, do respeito e, claro, da vontade de ampliar o próprio prazer. Um ambiente propício para se conhecer mais sobre os vinhos são as confrarias. Elas aliam a possibilidade de apreensão de novas experiências com o, salutar e desejável, convívio social, que leva à troca de experiências e impressões. O foco no prazer é essencial pois, se assim não for, qualquer confraria, ou proposta de se reunir em volta do vinho, tornar-se-á chata, maçante mesmo. Mariana Bertoul, em excelente trabalho acadêmico publicado na Rev. Adm. UFSM, Santa Maria, v. 10, número 2, bem coloca: “O prazer no sentido de relaxamento, de estar de bem com a vida, da alegria de curtir aquele momento especial, que é o de degustar um bom vinho. É importante salientar que esse prazer não está ligado ao efeito do álcool, mas sim, na sutileza do sabor, do aroma e de toda a magia relacionada ao vinho. Além disso, o vinho representa um elemento benéfico, saudável e até terapêutico. O vinho está diretamente relacionado a bons momentos, ou seja, momentos de prazer. Além disso, o vinho pode ser percebido como um símbolo de alegria e felicidade, salientando que este sentimento de bem estar inicia antes mesmo de seu consumo.” Nesta esteira, a confraria, local, etéreo ou não, onde os comensais se reúnem para degustar, conhecer e discutir o vinho, tem que ser um lugar guardado sob a áurea do prazer.
Posto isso, vamos a prática. Ao criar uma confraria é necessário estabelecer-se alguns critérios mínimos: escolher a finalidade, que pode ir da mais lúdica (simplesmente reunir amigos) à mais acadêmica (conhecer as mais profundas sutilezas do vinho); da mais informal (aquela que não se preocupa com a rigidez das liturgias) à mais austera (aquela que estabelece regras de seleção, abertura e serviços do vinho). Pode-se selecionar confrades sem qualquer requisito de conhecimento prévio ou outros que já tenham intimidades com os vinhos… e por aí afora. Pessoalmente, não consigo ver o vinho como algo formal, austero e rígido; penso que regrar demais o vinho (e seu consumo) é como se se limitasse o prazer. Traga isso para outros focos de prazer da vida, do cotidiano, que será mais fácil entender como uma confraria rígida, austera e formada de “gente iniciada” será chata e entojada. Ai fico com o enófilo em detrimento ao “connoisseur” que, via de regra, é um chato que passa a vida toda impondo regras e querendo ditar condutas, considerando-se o “senhor do saber”. O vinho é para dar prazer e não para limitá-lo, portanto, ao organizar uma confraria, não se torne escravo do vinho, mas sim seu consumidor, que tem por propósito absorver conhecimentos que ampliem seus horizontes, seus prazeres, e não que os limite. Nada que castra leva ao crescimento, à amplitude.
As relações de dominação não são bem-vindas à natureza humana e, em dado momento, levam o ser a uma reação de libertação ou melancolia. Não permita que o vinho, esta bebida tão nobre, cheia de história e prazerosa seja diminuído, limitado e aviltado pela imposição de regras despropositadas. Estar no entorno de uma mesa, com bons amigos, boa comida e uma taça de vinho é um momento de magia e congraçamento; é uma oportunidade de união e trova, ao mesmo tempo, e não pode, por um lado, ser banalizada e nem, por outro lado, ser pedante e castradora. Saiba escolher os comensais, os temas e os ritos. Uma degustação de Malbecs autoriza um churrasco e a descontração; já uma degustação de Bordeaux com mais de trinta anos pode pedir alguma introspecção e uma comida mais delicada; entretanto, nenhuma das duas comporta regras de dominação e limitação do prazer. Escolher temas é um caminho seguro para uma imersão de conhecimento. O tema pode estar no vinho, na mesa ou na ocasião. Exemplifico: “vinhos brancos argentinos”, “vinhos que acompanhem bem uma Lasagna” ou “vinhos para ouvir jazz”… Tudo é válido quando o foco orbita entre o conhecimento e o prazer. E, insisto, afaste-se dos “chatos do vinho” como forma de proteger seu prazer, não há nada mais desagradável do que um “eno-chato”, este só serve para aumentar a distância entre a taça e sua boca. Salut!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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