Taninos aveludados e acidez a toda prova: Conheça vinhos elegantes do Priorat

A princípio, chamavam de loucos aqueles que pensavam em obter um dos melhores vinhos ibéricos em terras pobres e abandonadas, localizadas no coração de Tarragona

  • Por Esper Chacur Filho
  • 02/04/2023 11h05 - Atualizado em 02/04/2023 13h39
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Arquivo Pessoal/Esper Chacur Filho Vinho Priorat Scala Dei, um Priorat de raiz, ou seja com toda tipicidade daqueles vinhos do nordeste espanhol (ou Catalão)

Na primeira década deste século, começaram a aportar por aqui um maior número de rótulos vindos do Priorat e, é claro, eram vinhos jovens, quando muito com cinco a sete anos desde a safra. Um destes vinhos foi o Scala Dei, um Priorat de raiz, ou seja com toda tipicidade daqueles vinhos do nordeste espanhol (ou Catalão), quase se aproximando do sul da França e muito próximo a Tarragona. Pois bem, por serem vinhos jovens e potentes e terem sido abertos de pronto, deram a impressão de peso e densidade irritantes aos paladares mais apurados, àquela época. Pessoalmente, tive a oportunidade de provar um ou outro vinho do Priorat em viagens e acreditei no potencial de guarda e evolução dos mesmos, apostando na necessidade de, pelo menos, dez anos de adega a partir do engarrafamento, para o vinho “arredondar”, em face dos taninos e teor alcoólico deles. Bem, voltando ao Scala Dei, abri uma garrafa do mesmo, um Crianza (pouca madeira) e da safra 2.000, última do século XX, assim com 23 anos de idade. O vinho estava, simplesmente, maravilhoso; frutas frescas, álcool integrado, taninos aveludados e uma acidez a toda prova, provando que minha intuição de mais de dez anos passados estava correta.

O Priorat tem história. A princípio, chamavam de loucos aqueles que pensavam em obter um dos melhores vinhos ibéricos em terras pobres e abandonadas do Priorat, que não passava de uma pequena região perdida nas montanhas, no coração de Tarragona (Catalunha). O vinho chegou ali no século XII graças a um grupo de monges franceses que estabeleceram o seu priorado e construíram a Cartuxa Scala Dei, que leva este nome graças à lenda que explica que dois cavaleiros, por ordem do rei, percorreram o país para procurar um local adequado para os monges cartuxos se estabelecerem. Ao chegarem ao sopé da cordilheira de Montsant, ficaram surpresos ao ver tamanha beleza e perguntaram a um pastor local onde estavam. O pastor deu-lhes as informações que procuravam e, também, explicou que no coração daquele vale, no pinheiro mais alto, havia uma escada que os anjos usavam para subir e descer (Scala Dei, a escada de Deus); segundo a lenda, nesse exato ponto, os anjos desceram, tocando com um halo de misticismo e mistério aquela terra acidentada que hoje é o berço de alguns dos melhores e mais procurados vinhos do mundo: nasceu a magia do Priorat.

Nos tempos mais presentes temos que um grupo de “hippies malucos”, liderado por dois grandes nomes da viticultura, René Barbier e Álvaro Palacios, transformou a fama dos rudes e intragáveis ​​vinhos do Priorat em vinhos paisagísticos, elegantes, sedosos, sensuais… e são, hoje, alguns dos os vinhos mais requintados e procurados do mundo. A região é de grandes tintos, das castas Garnacha ou Cariñena, em preponderância, mas é possível encontrar brancos excepcionais da casta Macabeo, por exemplo. São vinhos longevos e, absurdamente, gastronômicos e que, por evidente, evoluem demais com a guarda. Por sua potência, ouso dizer, que vão bem com tudo numa mesa, desde uma carne bem gordurosa, até um polvo ensopado, passando por algumas massas e aves como o pato ou o marreco, por exemplo. Vou sugerir alguns rótulos, lembrando que são vinhos de estrutura ímpar, merecendo aeração e algum tempo, após abertos, para o consumo.

O Camins del Priorat, do Álvaro Palácios, representa a vanguarda do Priorat, rico, cheio de fruta, com um toque mineral e a inigualável estrutura de lá. Já o Torres Priorat Salmos, traz alguns toques de globalização, e deve agradar a paladares mais acostumados a vinhos potentes. O GR-174 Priorato, é um rótulo de preço mais acessível e traz um corte muito interessante de  Garnacha (32%), Cabernet Sauvignon (21%), Samsó (17%), Syrah (15%), Merlot (10%), Cabernet Franc (3%) e Tempranillo (2%) de dois vinhedos da Casa Gran del Siurana, que produz coisas muito boas por lá. Tradicional e típico é o Cims de Porrera Classic, de cor púrpura e nariz delicioso. O Ayres De Escal – Priorat Tinto, se caracteriza como um excelente custo-benefício e que pode ser bebido mais jovem. Um branco do Priorat é o Serras del Priorat blanco – Clos Figueras – de uma acidez e equilíbrio impressionantes. Por fim recomendo o L’Infernal Riu Tinto, um vinho de autor e que carrega tipicidade e longevidade. E o Scala Dei Prior? Infelizmente não o tenho visto por aqui, mas recomendo que o procurem, inclusive em viagens ou importações diretas disponíveis por sites bem avaliados. Priorat é uma joia engarrafada, feita de um rubi mais que raro e cheio de história. Salut!

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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