Vinhos de corte, blends ou assemblage: conheça a ‘mistura’ de duas ou mais variedades de uvas

Experiência, sensibilidade, criatividade e muito conhecimento são habilidades fundamentais ao enólogo que quer criar uma bebida de qualidade

  • Por Esper Chacur Filho
  • 11/06/2023 11h07 - Atualizado em 11/06/2023 16h58
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Arquivo Pessoal/Esper Chacur Filho Garrafa de vinho em mesa de restaurante Montchenot é um clássico blend argentino em patamar mais elevado de custo

Os restaurantes que servem vinhos “por taça” ou os “wine-bars” costumam oferecer seus vinhos pela uva. Assim, é muito comum se escutar “temos um branco Chardonnay” ou “este Pinot é leve e vai bem com seu prato”. A cultura do vinho de uma casta só (ou varietal) tornou-se muito difundida no Novo Mundo, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil. Na verdade, é icônica a qualidade dos vinhos da Borgonha que, ao meu ver, puxaram esta cultura de se oferecer e pedir vinho a partir da sua uva, e não pelo seu nome, região ou produtor. Em que pese o respeito que se declina a regiões produtoras como a Bourgogne ou o Piemonte, onde os vinhos produzidos de uma única uva predominam ou são unânimes, a complexidade dos vinhos de corte e a maestria do vinhateiro ou enólogo, encontra-se, exatamente, na “mistura” de duas ou mais variedades de uvas.

Tomemos Bordeaux, de onde vêm os melhores vinhos “assemblage” do mundo, ou a Califórnia, onde nem sequer, muitas vezes, é declarado tratar-se de um “blend”, especialmente quanto a seus incríveis tintos. Nestas regiões, a barrica e o corte são os principais instrumentos para o enólogo criar seus vinhos. Importante destacar que vinhos assemblage são compostos por dois ou mais tipos diferentes de uvas, sem ter uma quantidade específica definida para cada casta — isso vai depender do trabalho do enólogo. Já, na Califórnia, o dito varietal é produzido a partir de uma única variedade predominante. Para tanto, é preciso que esse tipo de vinho tenha uma porcentagem de 75% a 90% de um único tipo de uva, assim, em que pesem posições discordantes, o termo “varietal” é impróprio e só é aceito por conta do regramento da Califórnia (e outras regiões produtoras que seguem esta linha). Nestas regiões, por autorização da legislação, os rótulos costumam trazer apenas o nome da uva presente em maior quantidade, assim como as características dela. Um varietal tinto feito com a maior porcentagem de uvas do tipo Merlot, por exemplo, terá apenas o termo Merlot escrito no rótulo, mesmo que o vinho recepcione quantidades de Cabernet, Malbec etc. Em Bordeaux isso não ocorre. Normalmente os rótulos não declinam as castas, até porque sua quantidade e proporções podem variar de safra para safra.

Quando se cria ou produz um “vinho de corte”, durante a produção, as uvas podem passar juntas ou separadas pelo processo de fermentação — e a forma como cada uma das etapas de preparo é realizada também vai influenciar no resultado final. Por isso, experiência, sensibilidade, criatividade e muito conhecimento são habilidades fundamentais ao enólogo que quer criar um assemblage de qualidade. No Hemisfério Sul, a Argentina, sem dúvida, é o país que, por mais que seja a Malbec sua casta emblemática, entrega os Blends mais criativos e de qualidade. Os argentinos lançam mãos de muitas castas para “domar” a potência da Malbec, tornando-o mais “aveludado”, por exemplo. Por aqui, também, nossos produtores nos presenteiam com excelentes “blends”, mostrando que o vinho nacional é fruto do clima, solo e maestria dos nossos enólogos. Outro mito que precisa ser posto de lado é de que os “blends” são mais difíceis de beber e harmonizar e de que são mais caros… De verdade, não há o menor fundamento nesta visão.

Neste diapasão, vou sugerir alguns assemblages bem acessíveis, fáceis de beber e harmonizar. E começo com o Rincón Famoso Red Blend Reserva, produzido pela argentina Bodega Lopez, a mesma que faz o maravilhoso Montchenot (este em patamar mais elevado de custo, mas um blend também), que é um corte de Sangiovese, Merlot e Malbec e se caracteriza como um clássico argentino. Outro argentino que gosto muito é o Circus Red Blend, feito de um corte inusitado de Bonarda, Tempranillo e Syrah, sendo bem encorpado e bom para uma carne gorda grelhada.  Da Califórnia recomendo o Bear Flag Red Blend, corte Merlot,  Cabernet Franc e Dornfelder, que vai muito bem com uma berinjela recheada ou uma lasagna a bolonhesa. O uruguaio Noble Alianza Reserva Trivarietal é um assemblage das castas Marselan, Merlot e Tannat, e se mostra delicado, harmonioso e estruturado. Do Brasil, o Thera Madai é sensacional, sendo um corte de Cabernet Franc, Merlot, Syrah e Malbec, que apresenta corpo médio, com taninos redondos e sedosos e acidez elegante. O Salton Gerações Mario Salton é um assemblage, com as variedades de uvas Marselan, Merlot, Tannat e Cabernet Sauvignon, de estrutura e complexidade ímpares.

E para sugerir um blend de castas brancas, volto a Bodegas López e indico o Rincón Famoso Branco, blend de Chardonnay-Chenin Blanc, bom para acompanhar frutos do mar, carnes brancas e massas com molhos suaves. Um branco nacional de corte é o incrível Luiz Argenta Ripiano Assemblage, Riesling, Pinot Noir (vinificado em branco), Trebbiano Romagnol, com frescor e fineza, acompanhado pratos de crustáceos mais elaborados. Os vinhos de corte nos abrem para um mundo infinito de combinações, basta ter criatividade na escolha. Salut!

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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