Gerente de educação na StandWithUs Brasil conta como viu guerra explodir logo após desembarcar em Israel

Episódio em 2014 mudou a vida de Deborah Sutton Chammah, que se formou em pedagogia, mergulhou no universo da educação e se especializou na história de Israel, nos conflitos do Oriente Médio e em antissemitismo

  • Por Fabi Saad
  • 22/05/2024 10h00
Eduardo Caminha/Divulgação Deborah Sutton Chammah em palestra Deborah Sutton Chammah é gerente de educação na StandWithUs Brasil e vice-presidente do KKL Brasil

Nossa Mulher Positiva é Deborah Sutton Chammah, pedagoga, gerente de educação na StandWithUs Brasil e vice-presidente do KKL Brasil. Deborah nos conta os desafios da sua carreira, trabalhando em uma organização educacional pró-paz, por que decidiu seguir carreira no terceiro setor e como concilia com a vida de mãe e esposa. “Quando fiz 16 anos, viajei para Israel durante um mês com o movimento juvenil judaico que frequentei durante toda minha infância e adolescência. No momento em que aterrizamos lá, uma guerra explode entre o país e o grupo terrorista Hamas, que acabava de sequestrar e assassinar três meninos israelenses, isso foi em 2014. Passei o mês da minha viagem entre diversão e guerra”, relembrou. “Enquanto eu conhecia um país diverso, também presenciava o antissemitismo e ódio gritante nas redes sociais e mundo afora, bem como uma onda de fake news gigante por uma guerra no qual Israel não queria nem começou. Naquele momento, entendi minha responsabilidade como judia e sionista, em poder educar e mostrar ao mundo a realidade de Israel e a verdade sobre o conflito na região.”

1. Como começou sua carreira? Para explicar como comecei na StandWithUs Brasil, preciso explicar por que cheguei aqui, afinal, não é todo mundo que sonha em trabalhar no terceiro setor. Cresci em uma família judaica, no qual sempre houve uma conexão forte com Israel, o lar nacional do povo judeu. Quando fiz 16 anos, viajei para Israel durante um mês com o movimento juvenil judaico que frequentei durante toda minha infância e adolescência. No momento em que aterrizamos lá, uma guerra explode entre o país e o grupo terrorista Hamas, que acabava de sequestrar e assassinar três meninos israelenses, isso foi em 2014. Passei o mês da minha viagem entre diversão e guerra. Curtíamos a praia e, logo em seguida, soava a sirene, e tínhamos que correr para um abrigo seguro para nos proteger de mísseis que o Hamas mandava com o intuito de assassinar israelenses. Vi a sociedade, diversa, próspera e resiliente, intercalar seu cotidiano com o sofrimento de ter perdido três vidas nas mãos de terroristas. Foi a primeira guerra que Israel viveu na qual as redes sociais já faziam parte do cotidiano instantâneo da sociedade. Enquanto eu conhecia um país diverso, coexistindo com árabes, cristãos, drusos e diversas outras etnias e religiões, eu também presenciava o antissemitismo e ódio gritante nas redes sociais e mundo afora, bem como uma onda de fake news gigante por uma guerra no qual Israel não queria nem começou. Naquele momento, entendi minha responsabilidade como judia e sionista (alguém que acredita na autodeterminação do povo judeu), em poder educar e mostrar ao mundo a realidade de Israel e a verdade sobre o conflito na região. Assim, me formei em pedagogia para mergulhar no universo da educação e em paralelo fui e sigo me especializando na história de Israel, os conflitos do Oriente Médio e sobre o antissemitismo. No início de 2020 entrei em contato com a StandWithUs Brasil, que estava nos seus anos iniciais, com apenas seis funcionários (hoje contamos com quase 30) e expus meu desejo de educar sobre Israel e obter um impacto transformador na educação brasileira quando se diz respeito ao Oriente Médio, para que os jovens possam se aprofundar nas complexidades do conflito árabe-israelense e sua vertente israelo-palestina. Desde então, cresci junto com a StandWithUs Brasil, me tornando gerente de educação, responsável pelas nossas iniciativas educacionais com escolas de todo o Brasil; sendo a ponte da organização com as comunidades e instituições judaicas espalhadas pelo país; coordenando um programa de liderança para jovens do Ensino Médio e também ministrando aulas dos mais diversos temas.

2. Qual o modelo de negocio da StandWithUs Brasil? A StandWithUs é uma organização educacional sem fins lucrativos, internacional, não governamental e apartidária. Assim, nós somos uma instituição do terceiro setor que se sustenta graças doadores, e nós não cobramos nenhum valor para nossas iniciativas educacionais. Nós buscamos uma educação de aprendizagem ativa, pró-paz e pró-diálogo, na qual damos ferramentas socioculturais e sócio emocionais para que as pessoas se tornem mais tolerantes e trabalhem a coexistência, desenvolvemos iniciativas educacionais nas quais os nossos participantes estejam no centro da aprendizagem, elucidando todas as vertentes dos temas abordados para que ele possa desenvolver sua própria opinião e senso crítico.

3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? Sem dúvidas, o momento mais difícil da minha carreira foi, e tem sido, após o massacre de 7 de outubro em Israel, que desencadeou em uma guerra contra o Hamas, perpetuador do massacre. O discurso de ódio e o antissemitismo escalou consideravelmente no mundo, diversas escolas e instituições buscaram o apoio da StandWithUs Brasil para elucidar o contexto em um momento em que havia escaladas e novidades o tempo todo. A quantidade de demandas, eventos, projetos, iniciativas educacionais e pessoas que buscavam o apoio do trabalho educacional da StandWithUs Brasil triplicou, tornando-nos um alicerce e suporte importante para quem quisesse entender as complexidades da guerra iniciada no dia 7 de outubro. Enquanto nossa rotina de trabalho estava no momento mais intenso que já vi, ao mesmo tempo, passava por um luto pelas 1.200 vidas perdidas e 240 sequestrados de diferentes nacionalidades em que obtivemos pouquíssimas notícias ao longo das semanas. Trabalhar em prol de Israel sempre foi meu objetivo, mas me vi uma situação no qual a demanda de trabalho estava muito intensa e eu deveria estar focada para poder educar o maior número de pessoas possíveis sobre a situação atual de Israel, trabalhar a coexistência e gerar consciência sobre o massacre e os reféns. Ao mesmo tempo em que eu passava por um grande luto, vi amigos em Israel sofrendo, tinha o sentimento de que aquele massacre poderia ter sido comigo, acompanhado o aumento do discurso de ódio que falava diretamente sobre minha existência. Nesse momento tão difícil e complexo, tive a oportunidade de visitar Israel e os locais atingidos pelo Hamas no massacre apenas 70 dias após o acontecimento. Visitei locais intactos após um massacre tão sangrento, vi e até senti o cheiro em um local no qual tantas pessoas morreram. Fui ao Kibutz de Kfar Aza e o local do Nova Festival. Além disso, tive oportunidade de conversar com sobreviventes do Nova Festival e familiares de reféns, os quais, obviamente, estavam extremamente abalados.  Ao mesmo tempo de ter sido uma viagem difícil emocionalmente, comecei a pensar nos meus desafios no trabalho quando voltasse, uma vez que virei testemunha de uma carnificina tão violenta, como e o que deveria fazer para gerar uma conscientização maior para a sociedade brasileira. Sem dúvidas, estou vivendo até hoje o momento mais difícil da minha carreira.

4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora? Se você me perguntasse isso há dois anos, com certeza minha resposta seria outra e provavelmente uma situação bem menos desafiadora. Hoje tenho uma filha de um ano e quatro meses, sou casada e faço questão de ter uma vida judaica ativa, de ser uma esposa e mãe presente. Adoro cuidar da minha filha, fazer programas com ela e meu marido e receber meus familiares em casa e estar próxima das minhas amigas. Mas eu também amo meu trabalho, amo educar as pessoas, sabendo que o que eu faço é para algo muito maior do que eu, trabalho para poder trazer mais diálogo e coexistência para a sociedade brasileira. Levando tudo isso em conta, equilibrar tantos pratinhos se torna algo um tanto desafiador. Mas entendi que, para ser uma mãe ativa e boa para minha filha, eu preciso incluir um trabalho que eu amo na minha rotina; que para poder me dedicar à minha família e vida social, eu também preciso me dedicar à educação da sociedade maior. Sinto que, no fim do dia, o que eu faço é para poder dar para minha família um mundo mais justo. Ao mesmo tempo, para ser a melhor educadora que posso, ultrapassar os desafios do dia-a-dia do meu trabalho e cumprir com os objetivos da StandWithUs Brasil, eu preciso fazer as coisas que amo que me desliguem das semanas do trabalho, senão as demandas me consomem e acredito que eu teria um burnout. Para tudo isso dar certo, é preciso de muita organização e rotina, deixar bem destacado as tarefas do dia (tanto de trabalho, quanto de família e social) e o planejamento da rotina também precisa estar bem definido para as coisas fluírem. Além disso, sou muito privilegiada em ter uma boa rede de apoio, tanto em casa quanto no trabalho, uma vez que nem sempre é fácil. Às vezes um “pratinho” vai pesar mais do que o outro. Mas é nesse momento que sei que tenho boas pessoas para contar, que podem me dar uma mão quando as coisas ficam desafiadoras, acredito que ninguém conquista nada sozinho. Também aprendi a duras penas que as coisas nunca vão ser totalmente perfeitas e que é inevitável, que o feito é melhor que o perfeito. Mas eu acredito que, quanto mais responsabilidade temos, mais capazes somos de dar conta.

5. Qual seu maior sonho? Meu maior sonho é poder ver a paz no mundo, principalmente na região do Oriente Médio. Sei que parece clichê, e para os céticos pode parecer impossível. Mas minha carreira gira em torno disso, de trabalhar com a educação para atingir a paz, pelo menos uma paz no diálogo. Melhorar a educação para que as pessoas sejam mais tolerantes e respeitosas, que, mesmo discordando umas das outras, possa haver um diálogo e coexistência ao invés do discurso de ódio, que muitas vezes saem do campo de palavras e se tornam ações. Vou criar meus filhos de forma tolerante, para que um dia eles façam parte de uma sociedade mais respeitosa, com menos polarização e que preze mais pela coexistência. E para poder ver este sonho um dia se tornar realidade, nós temos que trabalhar para isso. Citando Theodor Herzl, uma personalidade judaica que buscou pelo empoderamento dos judeus, que por séculos foram perseguidos e oprimidos, mas que sonhava também com a coexistência, “se quiseres, não será um sonho”.

6. Qual sua maior conquista? Minha maior conquista profissional até o momento (espero que ainda venham muitas outras, foi a possibilidade de criar uma política pública em conjunto com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, com duas outras colegas de trabalho, Cleo Assunção e Hana Nusbaum. Nossa política pública foi um projeto desenvolvido para aplicar no programa “Sala de Leitura”, da Seduc, no qual os alunos de Ensino Médio participaram de um circuito educacional com o tema “Antissemitismo: passado, presente e futuro”. O circuito usou o tema antissemitismo como pano de fundo para falar sobre todo tipo de discurso de ódio e da importância do diálogo. O encerramento do projeto foi um dos momentos mais emocionantes que já presenciei em minha vida profissional. Reunimos quase 50 alunos que mais se destacaram em suas produções escritas, que envolviam um poema sobre o Holocausto e uma carta direcionada a israelenses e palestinos, a fim de dialogar para a paz, para uma premiação de encerramento, nos quais eles foram condecorados por sobreviventes do Holocausto. Em 2023, aplicamos o projeto-piloto em cem escolas do Estado. Neste ano, pretendemos dobrar o número de escolas, bem como alcançar novos Estados.

7. Livro, filme e mulher que admira. Um livro: “Cartas ao Meu Vizinho Palestino”. Este livro, na minha opinião, é uma obra de arte. Escrito em modelo de cartas de um israelense para um palestino — e, no final, com as réplicas do palestino —, fala sobre a autodeterminação de ambos os povos, considerando sua proximidade histórica, e a necessidade de viverem em paz e coexistência, acreditando na liberdade e segurança de israelenses e palestinos. Filme: “Escritores da Liberdade”. Fui apresentada a esse filme aos 12 anos por uma professora na escola. Desde então, sou profundamente tocada por ele e tenho certeza de que foi uma das minhas inspirações em querer trabalhar com educação. O filme, baseado em fatos reais, conta a história de uma professora de inglês em uma escola periférica na California, em que os alunos são divididos por grupos sociais e gangues. São adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade e perigo, considerando que as gangues dos diferentes grupos sociais se enfrentam, resultando em mortes e prisões. Usando o Holocausto como pano de fundo, a professora decide enfrentar esses desafios e ajudar os jovens a trabalhar o diálogo e coexistência entre os diversos grupos, largar a violência e incentivá-los a estudar para criarem mais oportunidades em suas vidas. Mulher: parei para refletir como ninguém com muito nome e fama me inspirou muito. Percebo que sou inspirada por mulheres à minha volta, mulheres “comuns”. Sejam elas da minha família, amigas ou mulheres que fui conhecendo durante minha trajetória pessoal e profissional. Cada vez que me conecto com mulheres que fazem a diferença em seu meio, me pego pensando de quais formas posso aprender com ela. Me inspira a mulher que empreendeu em seu sonho e foi capaz de criar sua família com valores. Me inspira a mulher que trabalha para sustentar sua casa e não tem rede de apoio. Me inspira a mulher que saiu de seu país de origem refugiada e começou uma vida do zero. Me inspira a mulher que não trabalha e dedica seu tempo fulltime para a criação de sua família. Me inspira a mulher que voltou a trabalhar, após passar por um divórcio e mudança de vida. Me inspira a mulher que veio de um mundo sem oportunidades e se excedeu em sua carreira, buscando uma transformação da sociedade. Me inspira a mulher que passou por perseguições e resistiu, e depois foi pega. Me inspira a mulher que recomeçou sua vida do zero. Me inspira a mulher que busca fazer uma diferença no mundo. Acredito que todas essas mulheres, e muitas outras, me ensinam algo e me inspiram. Afinal, acredito que o mundo é feito de mulheres incríveis.

 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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