Projeto de Taciana Salviano dá nova perspectiva de vida a mulheres presas

Empresária encarou o desafio de migrar da vida acadêmica para missão empresarial numa empresa familiar, mas decidiu devolver à sociedade ‘tudo o que ela me proporcionou de anos de estudos’

  • Por Fabi Saad
  • 20/09/2023 10h00
Agência N4/Divulgação Jovem mulher branca e de cabelos pretos usandocamiseta vermelha Taciana Salviano alia sua experiência na vida acadêmica às suas funções na empresa Arte Pedras

Nossa Mulher Positiva é Taciana Salviano, doutora em biologia aplicada à saúde, empresária e idealizadora do Projeto Ressignificarte. Taciana nos traz histórias de conquistas e desafios de sua múltipla carreira, das aspirações e valores que servem de motivação para a realização de seus sonhos. ” O Ressignificarte é um projeto paralelo à minha vida empresarial e é totalmente sem fins lucrativos. Nasceu com o propósito de ressignificar e dignificar a vida de mulheres invisíveis a nossa sociedade, que são as mulheres sob cárcere. Acima de tudo, ele visa oportunizar ressocialização e uma nova perspectiva de vida”, contou. “Sonho em quebrar os estigmas dessas mulheres ante a sociedade, para que sejam renovados os olhares sobre elas, que seja um olhar diferente, de amor e acolhimento, sem condenação social.”

1. Como começou a sua carreira? Se tem algo que posso afirmar é que minha carreira nunca foi linear. Sou formada em ciências farmacêuticas e, na época, queria ser pesquisadora. Então me dediquei à vida acadêmica durante muitos anos e fiz tudo que poderia ter feito em especializações para a academia. Anos depois, já tendo terminado o doutorado e passado no concurso para professora substituta da UFPE, foi quando a Arte Pedras iniciou um processo de consultoria para fazer alinhamentos para o futuro da empresa. A consultora responsável disse que seria importante preparar um sucessor além dos meus pais, que já tocavam a empresa há muitos anos, e decidi acompanhar de perto o processo, pois eu já os auxiliava de forma paralela à vida na universidade. Aos poucos, fui me aprofundando no planejamento, abraçando funções, participando de reuniões. Foi aí que decidi me dedicar de forma plena à empresa. Claro que não foi fácil, foi extremamente desafiador. Era uma área completamente diferente na qual eu não tinha uma formação específica. Ao mesmo tempo, o que havia aprendido na pesquisa e na área acadêmica me deram uma visão diferente, com a qual conseguia associar coisas com o dia a dia da vida na empresa. Seja na apresentação de resultados, análises estatísticas, análise de processos e resolução de problemas, enfim, coisas que pudessem dar mais respaldo para a tomada de decisão, atuando nos gargalos da loja e buscando inovações. Também me ajudou a buscar e saber onde encontrar artigos científicos mais voltados para o setor de pedras, pois eu não me sentia confortável de estar em um local sem o domínio do que estávamos fazendo. E foi a academia que me auxiliou e me deu capacidade para essa nova imersão, para talvez ser autodidata nesse momento e filtrar o material de conhecimento mais confiável. Além disso, ao tomar essa decisão, veio comigo um grande desejo de devolver à sociedade, de forma responsável, tudo o que ela me proporcionou de anos de estudos e bolsas de pesquisa. Desde a minha imersão na empresa, percebi que tínhamos uma matéria-prima nobre e que poderia e deveria ser usada em sua totalidade. Nasceu, então o sonho de um dia poder associar a sustentabilidade ambiental ao social. Aos poucos, eu fui maturando o que é hoje o Ressignificarte.

2. Como é formatado o modelo de negócios do Ressignificarte? O Ressignificarte é um projeto paralelo à minha vida empresarial e é totalmente sem fins lucrativos. Ele é um projeto social apenas para e sobre vidas. Nasceu com o propósito de ressignificar e dignificar a vida de mulheres invisíveis a nossa sociedade, que são as mulheres sob cárcere. Acima de tudo, ele visa oportunizar ressocialização e uma nova perspectiva de vida para as mulheres apenadas através do resgate da sua cidadania, autoestima, profissão e um trabalho do qual se orgulhem e as mantenham independentes financeiramente. Nele, mulheres da Penitenciária Feminina de Abreu e Lima (PE) são profissionalizadas e desenvolvem um trabalho laboral e artesanal em pedras. Toda a matéria-prima, que não seria aproveitada na nossa produção para fabricação de peças maiores, é doada e utilizada na confecção de objetos decorativos e utensílios de casas, todos com designer assinados por arquitetos e designers amigos da nossa região. O intuito era que não fossem produzidas apenas peças em pedras, mas que todas elas apresentassem funcionalidade, estética e designers únicos pelo valor imaterial de cada ideia criativa doada para o projeto. As peças hoje já estão sendo comercializadas em lojas colaborativas em Recife. Além disso, fomos convidados para expor as peças no Espaço Janete Costa na próxima edição da Fenearte (a maior feira de artesanato da América Latina), agora em julho, e estamos ativando o nosso e-commerce para um maior alcance comercial. O core desse negócio é a associação integrada da sustentabilidade ambiental, social e financeira para perenidade e crescimento dele. Formatar e realizar esse projeto foi a forma que encontrei de concretizar meu grande sonho e de contribuir positivamente para vida de outras mulheres e da sociedade.

3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? Posso citar ao menos duas grandes dificuldades. A primeira foi na época do doutorado. Eu estava em Nova York, longe da família, dos amigos, e tive de lidar com grandes desafios pessoais e uma nova linha de pesquisa que, graças a Deus, ao final deu certo. Outra foi realizar a transição da vida acadêmica para assumir uma nova missão empresarial, e numa empresa familiar, que por si só já é um superdesafio.

4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora? Na vida, precisamos fazer escolhas. Precisamos ter muita percepção disso, das opções que temos e as que queremos. Eu só consigo equilibrar porque tenho prioridade de escolhas. Há momentos que precisamos nos dedicar mais para um projeto do que outro para que consigamos realizar tudo, então escolhemos, elencamos as prioridades e vamos fazendo o melhor possível. Não tem como sermos perfeitas em tudo, fazer tudo perfeito em todas as áreas ao mesmo tempo, está além da minha humanidade e ter a humildade de reconhecer isso me ajuda a fazer escolhas, a negociar as prioridades. Aliás, acredito que quando entendi que não sou e nunca serei perfeita, foi o momento mais libertador de cobranças e expectativas e, ao mesmo tempo, o de maior empoderamento, foi o ponto de inflexão para o equilíbrio que hoje busco viver. Eu posso fazer apenas o meu melhor dentro das limitações que tenho.

5. Qual seu maior sonho? Meu maior sonho profissional eu já estou realizando, que é o Ressignificarte, um projeto sem fins lucrativos pensado como uma forma de retribuir à sociedade tudo que eu havia ganhado, associando a sustentabilidade ambiental à social. De tudo que já fiz na vida, foi a coisa que mais me trouxe realização, porque, para mim, sempre foi um propósito de vida. Ver o brilho no olhar dessas mulheres, meio desconfiadas no início, e hoje terem os olhos brilhando de uma nova perspectiva de vida é fantástico. Saber que podemos fazer diferença na vida das pessoas para mim não tem preço. Sonho ainda em tornar o Ressignificarte um projeto 100% sustentável economicamente, independente, que ele possa crescer e agregar mais pessoas para de fato abraçá-lo, entender a ideia e acreditar nesse sonho, porque esse sonho precisa ser coletivo para alcançar mais vidas. Sonho ainda em quebrar os estigmas dessas mulheres ante a sociedade, para que sejam renovados os olhares sobre elas, que seja um olhar diferente, de amor e acolhimento, sem condenação social. O cárcere feminino, o perfil dessas mulheres, a história de vida por trás de cada código penal, a estigmatização, as causas socioeconômicas implícitas, o abandono e a falta de oportunidades de ressocialização são temas pouco ou não discutidos em nossa sociedade. E essas mulheres não têm condenação jurídica perpétua, elas precisam voltar para sociedade melhores e afastadas daquilo que um dia a trouxeram para essa dura realidade.

6. Qual sua maior conquista? Sem dúvida, são minhas filhas, minha família, meus pais, que são mais do que uma conquista, são presentes de Deus que recebi. No campo profissional, a maior conquista foi fazer o Ressignificarte existir. Nem é algo sobre mim, é realmente fazer pelo outro algo que gostaríamos que fizessem conosco, e sem receber nada em troca, um projeto 100% para o outro.

7. Livro, filme e mulher que admira. O livro que mais amo é “Tempos Líquidos”, de Zygmunt Bauman, que traz uma perspectiva sobre a fluidez do tempo, das fronteiras, das relações. É uma leitura super atual que me fez refletir sobre várias questões sociais. Um filme inspirador e que me marcou foi “Estrelas Além do Tempo” (2016), justamente porque traz a narrativa de três mulheres além do seu tempo. Elas foram além dos preconceitos, enfrentaram as muitas limitações que tinham, lutaram pelos seus direitos e foram profissionais extremamente competentes e dedicadas, que fizeram entregas importantes para a ciência e tecnologia. E uma mulher que eu admiro, que acho fantástica, é Madame Curie. A química sempre foi minha paixão, e Curie foi talvez a cientista mais inspiradora que existiu, a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel, e a primeira pessoa e única mulher a ganhar duas vezes e em campos diferentes da ciência (Física, em 1903, e Química, em 1911).

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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