Os garotos de recado imaginários e reais
A militância rotula um jornalista de “garoto de recados” de determinados adversários quando ele expõe fatos incômodos que acabam sendo explorados politicamente por esses adversários – não raro com os exageros próprios de uma oposição, geralmente mais interessada em macular a imagem de um governo do que em se ater aos fatos.
Quando expus nominalmente, por exemplo, os militantes de gabinete que atuavam na internet omitindo que são remunerados (ou que têm funcionários remunerados) como assessores de parlamentares do então partido do presidente da República, fui rotulado de “garoto de recados” do ex-presidente do PT e atual deputado Rui Falcão, que usou minha reportagem de capa na Crusoé para convocar militantes à CPMI das Fake News, com outro objetivo, alheio à matéria: buscar provas que legitimassem a narrativa petista de que Jair Bolsonaro foi eleito graças a notícias falsas.
O rótulo, claro, não é uma descrição da realidade, mas, sim, uma expressão pejorativa falseada, usada para demonizar o jornalista, na tentativa de fazer o público mais ingênuo ou fanatizado fantasiar que existe alguma associação entre ele e o adversário, em torno do mesmo objetivo: derrubar o governo, sem provas de crime comum ou de responsabilidade. Para reforçar a fantasia, os militantes mais mentirosos ainda espalharam fake news sobre reuniões secretas e até sobre confissões a respeito delas.
O grau de vigarice para recorrer a estes expedientes sórdidos é próprio dos revolucionários do avesso – nada a ver com conservadores – que sentiram o efeito da reportagem, uma vez que ela expôs também suas parcerias e articulações virtuais contra pessoas que eles encaravam como obstáculos, inclusive dentro do próprio governo, como o general Santos Cruz, então ministro, fritado interna e externamente pelo grupo.
É natural que intelectuais, investidores e supostos influenciadores que passaram a atuar como porta-vozes de Filipe Martins, repudiando ministros e decisões que o assessor do presidente despreza, acusem jornalistas daquilo que eles são e fazem. Mas qualquer jornalista sério tem o dever de expor ao público fatos incômodos sobre todos os grupos políticos, a despeito da incontrolável exploração que seus adversários farão desses fatos.
Marcelo Crivella, por exemplo, explorou em horário eleitoral na TV, durante sua campanha vitoriosa de 2016 para prefeito do Rio de Janeiro, o vídeo, descoberto e publicado por mim, no qual seu concorrente socialista Marcelo Freixo, do PSOL, passava pano para os black blocks, antes da morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão disparado por dois delinquentes do dito “movimento”.
Isto sem falar nas numerosas vezes em que o próprio Jair Bolsonaro e seus filhos exploraram meus artigos e comentários sobre os descalabros petistas, como também fez outro dia – sem dar crédito – um investidor bolsonarista que esperneia contra mim, com suas teorias conspiratórias, desde a publicação da matéria sobre a falta de transparência de sua patota. Curiosamente, ele citou uma antiga postagem minha sobre a vantagem recebida pelo irmão de um blogueiro e ex-assessor de Lula. O blogueiro – que embolsava verba de publicidade federal durante o governo do PT e que até hoje posa de jornalista isento legitimando narrativas petistas – me processou, mas perdeu.
Agora que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, virou alvo de parte da militância chapa-branca em razão de uma decisão sobre o futuro da TV Escola, vinculada ao MEC, surgiu mais um episódio emblemático da atuação da tropa virtual. Diante do título crítico e pejorativo da postagem “Weintrouble entrega educação à esquerda ao extinguir TV Escola”, uma mulher ironizou o editor do site bolsonarista, Flávio Morgenstern: “Que estranho, Flávio… Acho que você deveria conversar com seu amigo Filipe Martins antes de publicar algo assim.” Flávio então admitiu, de modo oblíquo: “Vai sonhando que não conversamos e que ele discorda uma vírgula de mim…”
Depois, como de costume nesses casos, publicou uma thread para negar que quis dizer o que disse. Mas vai sonhando o leitor que o assessor presidencial não terceiriza os ataques para a tropa. Vai sonhando que a militância não atua como garota de recados de integrantes do governo, sobretudo quando sente a perda de potenciais boquinhas.
“No dia de maior ataque da esquerda globalista contra meu irmão, um grupelho de arrogantes ditos de direita se juntou pra aproveitar e bater também”, lamentou Arthur Weintraub. “Atitude covarde. Com ele exausto saindo de férias! Resultado, tiveram visibilidade e [a] mídia podre tá usando o caso contra meu irmão.” Segundo Arthur, “são uns 4 egoístas, vaidosos. Estão querendo espaço e por isso batem nele.”
A família Weintraub, pelo visto, já está consciente da companhia que tem.
* Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.
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