Fernanda Consorte: Pacote Big Bang depende de ‘queda de braço’ entre estadismo e liberalismo

Governo se vê em meio à difícil luta entre manter-se no Orçamento e aumentar gastos

  • Por Fernanda Consorte*
  • 25/08/2020 10h24
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo Paulo Guedes e Jair Bolsonaro Pacote de Guedes foi adiado após Bolsonaro não concordar com valor para novo Bolsa Família

A semana começa com Paulo Guedes tentando animar os mercados financeiros, que andavam cabisbaixos com temor de sua saída, apresentando a promessa de uma mega pacote que inclui desde um novo-velho programa assistencialista até marcos legais e gatilhos para se manter o teto dos gastos públicos, batizado de “pacote Big Bang”. O problema, porém, é o mesmo que discutimos na semana anterior: a voz que insiste em pedir continuidade de assistencialismo no governo parece falar alto, quase gritar em relação à voz que pede contenção fiscal. Penso sempre naquelas cenas de desenhos infantis em que havia o diabinho e o anjinho, um de cada lado, sugerindo o que deveria ser feito. Aqui podemos rebatizá-los, respectivamente, de estadista e liberal.

E na bagunça dessas vozes cria-se um pacote que contempla ambas. De um lado (mais estadista), há uma panela requentando vários planos anunciados nos tempos “áureos” do Governo Lula, recapeados com nomes verde e amarelo, seguindo um tom nacionalista. E assim “nasce” o Renda Brasil, um substituto do Bolsa Família, adicionando cerca de mais 10 milhões de pessoas ao programa, e o Casa Verde Amarela, programa de habitação, aos moldes do Minha Casa Minha Vida, ou seja, com um alto tom de aumento de gastos.

De outro lado (mais liberal), no mesmo pacote, se planeja focar em marcos regulatórios que já estão no Congresso (como gás natural, lei da falência, etc) para ampliar a participação da iniciativa privada e liberar cerca de R$ 4 bilhões do Orçamento para obras de infraestrutura. Além disso, se pretende ajustar gastos com programas pouco eficientes, tirando reajustes automáticos e freando a expansão das despesas obrigatórias com gatilho que congela salários de servidores, e extinção de fundos públicos. O objetivo aqui seria eliminar parte da forte indexação nos gastos fiscais e manter o teto de gastos. Hoje, cerca de 70% dos gastos públicos são indexados e dificultam muito o ajuste das contas fiscais, sobretudo em anos de baixa arrecadação. No primeiro ano, a desindexação poderia abrir um espaço de até R$ 16 bilhões nas despesas do Orçamento.

Vale lembrar que, pré pandemia, havia uma convicção entre os agentes de mercado e empresariado na agenda liberal do governo e na agenda de reformas, pois essa seria chave para melhorar o ambiente de negócios no Brasil – que vai desde simplificação de tributação, desburocratização, privatizações, com intuito de atrair capital para investimentos. Assim, a ideia do pacote Big Bang é boa, mas como o papel aceita tudo, basta saber quem falará mais alto, o anjinho ou o diabinho, o estadista ou o liberal. Essa queda de braço pode definir o rumo e ritmo da recuperação econômica brasileira.

*Fernanda Consorte é economista-chefe do banco Ourinvest e colunista da Jovem Pan.

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