Situação do caixa do transporte público urbano é gravíssima e ameaça o colapso do sistema

Impactado pela pandemia, prejuízo acumulado apenas das concessionárias do transporte por ônibus gira em torno de R$ 5,5 bilhões no período de março até agosto

  • Por Fernando Vernalha
  • 08/11/2020 08h00
FÁBIO VIEIRA/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO Ônibus SP Tramita no Senado um projeto de lei que pretende instituir um auxílio para compensar as perdas provocadas em todos os serviços de transporte coletivo

As decorrências da pandemia vêm impactando dramaticamente o sistema de transporte coletivo urbano no Brasil. Segundo dados da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a demanda pelo transporte público por ônibus chegou a cair mais de 80% nos primeiros meses da pandemia e atualmente reflete uma redução média de 52,6% comparativamente ao período pré-Covid-19. Já o número de usuários do transporte de passageiros sobre trilhos (metrô, trem urbano e VLT) caiu 57% no primeiro semestre de 2020, se comparado ao mesmo período de 2019 (ANPTrilhos). Esta perda de demanda vem provocando desvios relevantes no fluxo de caixa das concessões. A situação é gravíssima e ameaça o colapso do sistema, caso medidas de compensação não sejam implementadas com a urgência devida. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, o prejuízo acumulado apenas das concessionárias do transporte por ônibus gira em torno de R$ 5,5 bilhões, no período de 16 de março até o dia 31 de agosto. Estima-se que o seu prejuízo total até o final do ano possa chegar a R$ 8,79 bilhões (NTU).

Para acudir o sistema, tramita no Senado o projeto de lei 3.364/2020, que pretende instituir um auxílio federal de até R$ 4 bilhões para compensar as perdas provocadas em todos os serviços de transporte coletivo urbano e semiurbano no contexto da pandemia. Estes recursos serão destinados ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de prestação do serviço de transporte público coletivo de passageiros, cuja revisão deverá contemplar mecanismos que garantam a transparência e o controle sobre a operação, a incorporação de indicadores de eficiência à prestação do serviço, a modernização do sistema de bilhetagem, a impossibilidade de prorrogação do contrato, dentre outros condicionantes.

O transporte público urbano é um serviço que já vinha com uma tendência de contração na demanda nos últimos anos, em função de causas diversas, como o surgimento de modos de transportes alternativos – bicicletas e patinetes eletrônicos, carros compartilhados por meio de aplicativos, entre outros -, a falta de investimentos em uma adequada integração entre os modos de transporte etc. Há um crônico e crescente desequilíbrio na estrutura econômico-financeira destas operações, cuja compensação vinha sendo reivindicada pelos operadores. A crise da pandemia acabou por conferir nova urgência ao problema. Com as concessões sangrando, medidas urgentes precisam ser adotadas, inclusive para mitigar os efeitos financeiros (e não apenas econômicos) gerados no fluxo de caixa das concessões. Mas o drama da pandemia é um novo capítulo de um problema antigo: a paulatina e progressiva perda de demanda destes serviços. Soluções de curto prazo precisam ser pensadas para preservar e atenuar a crise das concessões. Mas não se deve perder de vista o problema de perda estrutural de demanda.

Um dos pontos centrais desta discussão diz respeito às “moedas” que precisam ser identificadas para compensar os concessionários sob o cenário da crise. Esta compensação, para além de econômica, deverá buscar a mitigação dos efeitos financeiros que a perda abrupta de demanda tem provocado no fluxo de caixa dos contratos. A forma mais fácil para isso seria o aumento da tarifa. Mas ele não apenas não é eficaz para esse fim em contextos de baixa demanda, como tem forte repercussão social. Lembremos, afinal, que foi o descontentamento dos usuários com as tarifas do transporte coletivo o que desencadeou as “manifestações de junho” ou “manifestações dos 20 centavos”, de 2013, dentre as maiores mobilizações populares da história recente do país. Não por acaso o sistema de remuneração do transporte coletivo por ônibus é parcialmente custeado por subsídios públicos, com vistas a manter a tarifa em um valor módico e assegurar a universalização do serviço. Assim se passa não apenas nas principais cidades brasileiras, mas em muitas cidades importantes do mundo. O subsidio público anda junto com a operação do transporte coletivo urbano.

Talvez a forma mais provável para essa compensação seja o aumento do subsídio público. O já citado auxílio federal – tratado no PL 3.364/2020 – poderá funcionar para aliviar o problema financeiro de curto prazo. Mas é preciso cogitar um aumento crônico do subsídio público com vistas a compensar a perda estrutural da demanda, apesar das dificuldades que a crise fiscal e orçamentária tem imposto a muitas administrações estaduais e municipais. Para além do subsídio público, outras medidas devem ser cogitadas para reequilibrar esses contratos, como a integração de novos direitos e oportunidades aos concessionários, prorrogações antecipadas e a própria desqualificação dos indicadores e dos níveis de serviço do contrato. O importante é que estados e municípios enfrentem o tema e identifiquem soluções para corrigir o rumo destas concessões. Há uma demanda por institucionalidade na recuperação destes contratos. Todas estas adaptações nas concessões de transporte público por ônibus ou de transporte metroferroviário precisam ser devidamente planejadas e os planos de recuperação corretamente implementados. O que não se pode aceitar é a inércia das Administrações Públicas num contexto de profunda crise com o transporte público urbano no país. Mas infelizmente ainda é isso o que se tem visto em muitas delas até aqui.

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