A desestatização pede passagem para impulsionar investimentos na infraestrutura pública

Parcerias público-privadas têm envolvido governos de todos os espectros políticos e se faz ainda mais necessária sob um cenário de restrição fiscal

  • Por Fernando Vernalha
  • 29/11/2020 10h00
09/11/2020 - Foto: ROBERTO GARDINALLI/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO desestatização tem sido uma agenda não apenas do governo federal, mas também da maioria dos estados e até mesmo de muitos municípios

É provável que o Brasil ostente atualmente um dos mais abrangentes programas de desestatização do mundo. No âmbito do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) – órgão do governo federal encarregado de estruturar e gerir projetos estratégicos de infraestrutura –, há uma ampla carteira de projetos federais e subnacionais sendo gestados e implementados. A desestatização envolve tanto projetos de alienação de empresas estatais (com ou sem carregar junto contratos de concessão) como projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). É um fenômeno de redução das dimensões do Estado por meio do trespasse de serviços estatais para as mãos de empresas privadas. A desestatização tem sido uma agenda não apenas do governo federal, mas também da maioria dos estados e até mesmo de muitos municípios. É uma pauta apartidária, que tem envolvido governos de todos os espectros políticos. Uma das causas que a embala é a urgente necessidade de viabilizar investimentos para a recuperação e ampliação da infraestrutura pública. Sob um cenário de restrição fiscal, as Administrações Públicas dependem das concessões e PPPs para garantir esses investimentos. Mas para além da questão conjuntural, há outras razões que têm justificado o apreço pela desestatização. Talvez a principal delas seja o reconhecimento da incapacidade do Estado em prestar serviços e gerir empreendimentos públicos com a mesma eficiência e qualidade que os agentes privados. Esse é um reconhecimento cada vez mais comum no seio dos governos. Afinal, estudos empíricos têm demonstrado os indiscutíveis ganhos de eficiência que decorrem de concessões e PPPs comparativamente à prestação estatal, viabilizando a entrega de serviços com maior qualidade e disponibilidade ao usuário.

Mas a agenda da desestatização não é simples. Desestatizar bens e serviços é um processo complexo e demorado, que abrange a construção de todos os estudos, projetos e regulação necessários para viabilizar empreendimentos de longo prazo. Tudo isso submetido a ampla discussão por atores institucionais e agentes de mercado. O problema é que o tempo dos projetos, que não é o tempo da política, tem sido muitas vezes negligenciado. Há uma enorme distância, por exemplo, entre a perspectiva gerada pelo governo federal e a realidade da tramitação desses projetos, que se revela mais tortuosa e demorada do que se anunciara. Isso se passa especialmente com as privatizações – venda do controle de companhias estatais –, cujo processo acaba sendo mais complexo e moroso do que as concessões e PPPs. Os casos mais aguardados – como os Correios e a Eletrobrás – também são os mais difíceis, em função de dependerem de alterações legislativas. No âmbito do Congresso, o tema acaba ganhando relevância política (e ideológica) e fica exposto às fricções naturais do debate público. Seja como for, é preciso que essa agenda seja conduzida com responsabilidade e realismo. As sinalizações institucionais dos governos pautam o comportamento dos agentes do mercado, sendo que as frustrações decorrentes de suas abordagens irrealistas prejudicam o ambiente de credibilidade e confiança necessário para obter-se o engajamento do setor privado.

O que esperar então do futuro das desestatizações? Apesar dos tropeços, as boas perspectivas vêm do trabalho de alta qualidade feito pelo PPI, pelo BNDES, pela Caixa e por outros estruturadores institucionais. Iniciativas como o Programa de Parcerias e Desestatização do Estado de São Paulo, o Programa de PPPs do Piauí ou o Programa de PPPs da Bahia, entre outros, são exemplos da capacidade institucional e expertise técnica que muitos estados têm desenvolvido para promover desestatizações. Bons projetos e uma boa regulação é o que abrirá caminho para viabilizar investimentos nessa agenda. O importante, por ora, é manter a discussão do tema na arena técnica e longe do embate ideológico.

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