Congresso mantém vetos ao novo marco do saneamento e abre caminho para privatizações

Sepultada a continuidade dos contratos atuais, os Estados terão duas alternativas mais prováveis: a privatização e a estruturação de uma prestação regionalizada

  • Por Fernando Vernalha
  • 21/03/2021 08h00
Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo - 19/10/2016 Córrego a céu aberto na Brasilândia evidencia falta de saneamento Hoje as companhias estaduais operam o serviço de saneamento mediante contratos celebrados diretamente com os municípios

Na última quarta-feira, o Congresso Nacional finalmente votou e manteve os vetos presidenciais ao novo marco legal do saneamento. Dentre eles, aquele que suprimiu da nova lei a possibilidade de prorrogação dos contratos atuais que viabilizam a operação do serviço pelas companhias estaduais (objeto da norma do vetado artigo 16 da Lei 14.026/2020). O receio de muitos especialistas era o de que a possibilidade de prorrogação do prazo destes atuais contratos retardaria a ampliação da participação privada no setor, um dos principais objetivos do novo marco. Isso poderia comprometer o avanço da agenda de universalização na velocidade esperada. Lembre-se que, sob a configuração atual, as companhias estaduais operam o serviço de saneamento mediante contratos celebrados diretamente com os municípios, sem a necessidade de processo de licitação. Estes contratos – chamados de contratos de programa – são firmados no âmbito da “gestão associada” estabelecida entre os Estados e os municípios. Com o novo marco, proibiu-se a contratação da prestação dos serviços de saneamento sem a celebração de um contrato de concessão precedido de um processo de licitação. O objetivo desta proibição é instituir a competitividade no setor e, com isso, favorecer a ampliação da participação privada na operação do serviço. Sem ela, será difícil viabilizar os investimentos necessários para a universalização do saneamento.

Apesar disso, o projeto da nova lei continha uma regra que admitia a prorrogação dos atuais contratos por até 30 anos, suprimida da lei por meio de veto presidencial. A manutenção do veto tornou definitiva a impossibilidade dos atuais operadores e municípios prorrogarem discricionariamente os contratos vigentes. É claro que, em certos casos, os contratos de programa poderão admitir extensões de prazo, em função da necessidade de implementar as novas metas de universalização impostas pela legislação. Até março de 2022, todos os atuais contratos terão de ser adaptados para incorporá-las, o que poderá exigir extensões de prazo (inclusive, e eventualmente, para promover o seu reequilíbrio econômico-financeiro). Mas não poderão ser prorrogados por mera vontade dos operadores e municípios, salvo quando houver expressa previsão contratual sobre isso.

O fato é que, com a inviabilidade da prorrogação discricionária, torna-se cada vez mais difícil para as companhias estaduais manterem o seu market share na operação do saneamento. Sepultada a perspectiva de continuidade dos vínculos atuais, os Estados terão duas alternativas mais prováveis. A primeira é a privatização. A nova lei cria incentivos para a venda do controle das empresas estaduais, admitindo, inclusive, que os prazos dos atuais contratos de programa sejam estendidos para esse fim. A segunda é a estruturação de uma prestação regionalizada (a exemplo dos casos de Alagoas e do Rio de Janeiro), com a participação dos municípios, esvaziando-se a companhia ou a restringindo à execução dos serviços de produção da água. Não se descarta também que algumas companhias que se mostrem mais competitivas possam seguir disputando as licitações e adjudicando novos contratos. Mas daí passariam a disputar os contratos em igualdade de condições com outros operadores.

Qualquer que seja, enfim, o rumo a ser trilhado pelas companhias, o fundamental é perceber que há uma mudança de cenário, que torna mais desafiador o futuro de muitas delas. Essa deve ser, no atual contexto, uma pauta prioritária e urgente dos Estados. Afinal, até março de 2022, marco da adaptação dos atuais contratos, os operadores precisarão demonstrar sua capacidade de promover os investimentos para implementar as metas de universalização. É conveniente que, até lá, o futuro das companhias estaduais já esteja devidamente planejado.

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