De quem é a opção de privatizar, do Executivo ou do Legislativo?

Executivo é quem deveria decidir sobre a venda de suas empresas; mas, para o STF, esta decisão deve ser compartilhada com o Legislativo

  • Por Fernando Vernalha
  • 11/10/2020 08h00
MIGUEL NORONHA / FUTURA PRESS / ESTADÃO CONTEÚDO petrobras No dia 1º de outubro, o STF decidiu liberar a privatização de refinarias da Petrobras

Assim como tantos outros temas do cotidiano dos governos, a discussão acerca da (des)necessidade de autorização do Congresso Nacional para privatizar empresas estatais tem ocupado a pauta do STF. Em junho de 2019, o plenário do tribunal entendeu que a venda do controle de estatais depende de autorização legislativa e de processo de licitação, dispensando-os apenas para a transferência do controle de subsidiárias e controladas. O tema voltou recentemente à pauta do tribunal, por iniciativa das Mesas do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Desta vez, a alegação voltou-se contra o plano de desinvestimento da Petrobras, que prevê a criação de subsidiárias para a venda de oito refinarias da empresa. Segundo os órgãos do Congresso, a tentativa da empresa de criar subsidiárias para a venda destes ativos caracterizaria uma “privatização branca”, o que exigiria a precedência de autorização legislativa nos termos da decisão anterior do Supremo. Por um apertado placar de 6 a 5 votos, o pedido liminar foi indeferido, afastando-se a necessidade da exigência para a transferência daqueles ativos.

O tema que mais preocupa nesta discussão é a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a venda do controle de empresas estatais. Embora ainda não tenha havido julgamento definitivo de mérito pelo STF sobre a questão, as decisões proferidas até aqui indicam uma clara tendência em se reconhecer a dependência de autorização legislativa para que o Executivo possa alienar o controle acionário de suas empresas. Muitas das empresas federais, aliás, já contam com essa autorização para a venda de seu controle, por estarem abrangidas no Plano Nacional de Desestatização, previsto na Lei 9.491/1997. Isso minimizaria o efeito prático do entendimento professado pelo STF sobre o programa de desestatização do governo federal. Além disso, a própria Lei do PND admite a inclusão de ativos no programa por meio de decreto presidencial – o que faz surgir uma discussão secundária acerca da possibilidade ou não desta extensão.

Mas o ponto que interessa está na aparente inconsistência da tese sustentada nas decisões do Supremo. Olhando-se para a Constituição, não se enxerga nenhuma imposição constitucional para condicionar a venda de estatais ao controle pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma norma constitucional que prescreva explicitamente essa exigência. A Constituição, é verdade, se preocupou em condicionar a criação de empresas estatais (art. 37, XIX), fazendo-a depender de autorização legislativa. Mas não previu o mesmo condicionante para a hipótese de sua extinção. Os julgados do STF invocam, como um de seus principais argumentos, a necessidade de simetria de tratamento jurídico e de formas entre as hipóteses de criação e extinção de empresas estatais (o que equivaleria à venda do controle acionário da empresa), com vistas a submetê-las à mesma exigência.

O problema deste argumento é que ele desconsidera que as hipóteses de criação e de extinção de empresa estatal não têm a mesma relevância para o direito e para a Constituição, e, por isso, podem perfeitamente ter merecido tratamento jurídico distinto. Essa discrepância de tratamento parece bem justificada em vista do acolhimento pela Constituição do princípio da subsidiariedade, que restringe a atuação estatal no domínio econômico apenas quando a livre iniciativa não puder desempenhar adequadamente esse papel. A preocupação do legislador está, portanto, em limitar a intervenção do estado no domínio econômico, submetendo a decisão de criar empresas estatais ao crivo do parlamento, mas não no inverso. A extinção de empresa estatal é hipótese de desintervenção, não tendo por isso merecido o mesmo condicionante imposto para a hipótese de sua criação (intervenção). Faz sentido, portanto, que a norma constitucional tenha se preocupado em controlar mais a criação do que a extinção destas empresas.

Seja como for, esta é uma discussão que ainda está em aberto. Caberá ao STF futuramente julgar definitivamente o mérito destas ações. Por ora, prevalece o entendimento já sinalizado nas decisões proferidas até aqui, que condiciona os processos de privatização à autorização do Congresso Nacional. Mas a discussão merece amadurecer, longe do espectro ideológico, com vistas à construção de um entendimento que reflita, o mais fidedignamente possível, a vontade constitucional. O apertado placar que marcou os julgamentos é emblemático da sensibilidade do tema às orientações ideológicas de quem o interpreta. Embora não seja factível pretender que os ministros se dispam de suas convicções políticas e ideológicas para o julgamento da questão, o esforço do distanciamento deve sempre ser buscado. É isso o que se espera na reanálise do tema pelo Supremo.

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