Após pandemia travar infraestrutura em 2020, novo ano começa com expectativa de investimentos
A boa notícia deste difícil ano foi a aprovação do novo marco legal do saneamento, que tem o potencial de provocar mudanças estruturais no setor ao longo deste ano e dos próximos
Dois mil e vinte foi um ano de promessas frustradas para o setor de infraestrutura. Em parte, porque temos sido vítimas ao longo dos últimos anos daquilo que se convencionou chamar de planning fallacy (falácia do planejamento). Os resultados entregues no final do ano nunca encontram as expectativas que tínhamos ao seu início. É claro que a propaganda institucional sempre ajuda a distanciar a expectativa da realidade, mas as análises e projeções quanto à conclusão de projetos de infraestrutura não raramente são permeadas por um otimismo incompatível com as dificuldades e complexidades inerentes à sua estruturação e licitação. E o ambiente institucional brasileiro certamente contribui muito para torná-las ainda mais desafiadoras. A necessidade de aprovação de projetos federais pelo Tribunal de Contas da União é um exemplo. A dependência da privatização de certas empresas a mudanças legislativas é outro. Neste contexto, a qualidade da interlocução do governo com o Congresso teve e tem um papel determinante no tempo dessa agenda. Desestatizar no Brasil não é algo trivial. Não se deve negligenciar o tempo de maturação para que esses projetos sejam estruturados e licitados. É verdade que as privatizações propriamente ditas (alienação do controle de empresas estatais) representam um pedaço pequeno da carteira de desestatizações do governo federal – aspecto que nem sempre é percebido pelos analistas –, sendo que o que lhe dá corpo são as concessões e parcerias público-privadas. O problema é que estas também tiveram um desempenho aquém do desejado.
Não foi apenas a falácia do planejamento que frustrou a nossa expectativa em relação a 2020. A crise da pandemia teve neste contexto um papel central. Por um lado, ela atrapalhou o desenvolvimento de projetos em setores fortemente impactados, como o de transportes. Houve perdas enormes de demanda em concessões de aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, que chegaram a 90%, 70% e 80%, respectivamente, em certos períodos. O impacto da crise sobre a demanda destes serviços e as incertezas quanto ao período pós-pandemia dificultaram o reposicionamento da projeção da curva de demanda, que é uma variável muito importante para a estruturação e licitação destes projetos. Com isso, vimos projetos importantes da carteira do governo federal, como a sexta rodada de concessões de aeroportos (que abrange 22 aeroportos divididos em três blocos regionais) serem deslocados para a agenda de 2021.
Além disso, a crise da pandemia atingiu em cheio os contratos de concessões vigentes, gerando desvios relevantes no fluxo de caixa de muitos destes projetos. Os impactos financeiros levaram boa parte dos operadores – especialmente do setor de transportes, mobilidade urbana e energia – a postular junto aos governos e agências medidas urgentes para a mitigação dos prejuízos. Isso porque a crise da pandemia é um evento de “força maior”, o que enseja o reequilíbrio econômico-financeiro destas concessões. Afinal, a grande maioria dos contratos – e, na omissão destes, a própria legislação – aloca este risco à responsabilidade dos poderes concedentes, assegurando ao concessionário a compensação dos prejuízos decorrentes. Dos muitos requerimentos manifestados, poucos já foram deferidos. Merecem destaque os diversos reequilíbrios de concessões aeroportuárias autorizados no final do ano pela ANAC. Mas essa certamente é uma agenda que precisará ser retomada em 2021.
No balanço do difícil ano de 2020, a boa notícia foi o advento do novo marco legal do saneamento, com o potencial de provocar mudanças estruturais no setor em 2021 e adiante. Um prelúdio à ampliação da participação privada na operação do saneamento foram os leilões bem-sucedidos realizados ao longo do ano, além do lançamento da licitação da desestatização do saneamento do estado do Rio de Janeiro, abrangendo quatro grandes concessões para distribuição de água e esgotamento sanitário. Trata-se do maior projeto de infraestrutura do país na atualidade, e certamente um dos mais importantes. Em 2021, caberá aos governos o esforço de avançar com a agenda de desestatizações, assim como o de equalizar os desequilíbrios que abalaram as concessões vigentes. E os desafios não serão muito menores do que os enfrentados 2020, pois este ainda será um ano marcado pela luta contra a pandemia. Ainda estaremos distantes de um contexto ideal para a realização de negócios e investimentos no setor de infraestrutura. Apesar do cenário adverso, é bastante provável que projetos importantes saiam do papel, inclusive porque há muitos herdados da carteira de 2020. Além disso, a Caixa e o BNDES prometem entregar neste ano um número significativo de projetos. No programa da Caixa, diversas concessões e PPPs municipais nos setores de resíduos sólidos e de iluminação pública serão provavelmente licitados. Concessões e PPPs de saneamento também são esperadas. Na entrada de 2021, enfim, é hora de renovar as promessas por novos projetos e a expectativa por investimentos em infraestrutura. Mas é preciso pé no chão. Afinal, não raramente o otimismo que tem pautado o planejamento das licitações no início de cada ano acaba se convertendo em frustração. Foi o que ocorreu em 2020. Com a trégua da pandemia, espera-se que 2021 seja diferente.
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