Os desafios da agenda de investimentos em infraestrutura
Ainda estamos distantes de um ambiente seguro e previsível para encorajar investidores na qualidade e na quantidade demandados para que possamos avançar na questão
A relevância do investimento em infraestrutura para um país como o Brasil é um consenso. Apesar disso, essa é uma agenda que tem avançado pouco nos últimos anos. Com uma média histórica de investimentos da ordem de 2,1% do PIB, precisaremos chegar a um patamar de 4,7% do PIB pelos próximos 20 anos para alcançar a média mundial – diz um relatório elaborado por consultores da McKinsey (Brazil 2020 – Opportunity Tree). Com as Administrações Públicas sob um contexto de forte restrição fiscal, não resta alternativa de curto prazo que não a busca destes investimentos no setor privado. Para isso, concessões e parcerias público-privadas serão ferramentas fundamentais. Mas, negócios desta natureza dependem não apenas de bons projetos para atrair o interesse do mercado, como de um ambiente jurídico-institucional adequado para oferecer previsibilidade jurídica e regulatória aos investidores.
A construção deste ambiente ainda é um desafio para os governos no Brasil, que vivem um momento de esquizofrenia institucional: por um lado, perseguem iniciativas para melhorar o arcabouço legal e regulatório; por outro, reservam-se o poder de cooptar politicamente as agências e de interferir arbitrariamente em contratos de concessão. Temos visto nos últimos meses e anos evoluir a agenda de atualizações legislativas voltadas à melhoria do ambiente para viabilizar investimentos em infraestrutura. Mudanças legais recentes no setor de saneamento e no regime das agências reguladoras, assim como o avanço de discussões no Congresso para atualizar o marco legal dos setores de gás, energia, ferrovias e também das licitações e concessões são alguns exemplos. Entre erros e acertos, o resultado deste conjunto de mudanças concorrerá para melhorar a qualidade da legislação e da regulação. Mas ainda há uma percepção generalizada acerca do desrespeito a contratos e da captura política das agências reguladoras. Incidentes como a encampação arbitrária da Linha Amarela da cidade do Rio de Janeiro, chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça, é um exemplo de como ainda estamos distantes de um ambiente seguro e previsível para encorajar investidores na qualidade e na quantidade demandados para que possamos avançar com essa agenda de investimentos em infraestrutura.
A esquizofrenia do Estado só será superada com a mudança de comportamento dos administradores públicos e o fim complacência dos controladores com suas arbitrariedades. Essa mudança cultural deverá ser induzida por leis e normas que restrinjam práticas desta natureza e criem os incentivos corretos para que estes atores institucionais respeitem o direito e os contratos. Se estas práticas têm sido mais assíduas do que se deseja, é porque o direito vigente (incluído aí o sistema de enforcement das leis e dos contratos) não tem sido incisivo o suficiente para evitá-las.
Qualquer país que pretenda garantir um ambiente minimamente adequado para fomentar investimentos privados em infraestrutura e parcerias de longo prazo com os governos precisa assegurar aos investidores, pelo menos, três condições fundamentais: (i) o estabelecimento de leis e contratos bem definidos; (ii) um sistema que garanta o enforcement destes direitos e (iii) estruturas de gestão e de regulação com independência, capacidade técnica e institucional. É o que eu chamaria do tripé jurídico-institucional da agenda de investimentos em infraestrutura.
Infelizmente, ainda falta muito para que o Brasil ostente tais condições. Os avanços que temos feito são refreados por incidentes como o da encampação arbitrária e sem prévia indenização da Linha Amarela. Fatos assim dizem muito ao mercado e criam precedentes perigosos que, se generalizados, podem colocar em xeque todos os esforços feitos até aqui em prol da melhoria do ambiente para atrair investimentos ao setor de infraestrutura. Essa agenda terá, enfim, muitos desafios pela frente, mas garantir o respeito às leis e aos contratos talvez seja o maior deles.
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