A saga para acionar a Prefeitura de São Paulo e (tentar) pôr fim a uma cratera no meio da rua

Entra verão, sai verão, e é sempre a mesma coisa: começa a estação dos buracos nas vias mediocremente pavimentadas da capital, derrubando ciclistas, destruindo amortecedores e causando acidentes

  • Por Helena Degreas
  • 27/04/2021 09h00 - Atualizado em 27/04/2021 09h35
Helena Degreas/Arquivo Pessoal carros parados na rua em asfalto com vários cones laranjas Prefeitura se responsabiliza pelos buracos que nascem naturalmente e os que são fruto da má qualidade da massa asfáltica

Para chegar à estação de metrô ando diariamente cerca de 800 metros. O passeio é agradável, observo pessoas e seus cães, jardins de prédios, floreiras… Também vejo alguns tropeçando nos buracos das calçadas, e ônibus, bicicletas, motos e automóveis sofrendo do mesmo mal nas vias mediocremente pavimentadas. Recentemente, um colega chamou a minha atenção para o fato de que, pelo menos, minha rua é asfaltada e tem calçadas. E ele está certo: eu moro na área central. Se morasse em regiões mais distantes, não haveria nem asfalto nem calçada. Com as chuvas torrenciais que ocorreram no início deste ano, pude observar novamente as mudanças no asfalto. Entra verão, sai verão, e é sempre a mesma coisa: começa a estação dos buracos e das crateras. Em um destes dias, vi um fato novo: uma pequena fissura onde eu sempre atravesso a rua. Não sei bem o porquê, mas chamou a minha atenção. Vi quando ela nasceu. Era apenas uma fissura tão delicada no asfalto. Todos os dias, uma nova fissura surgia a partir dela. Com o passar do tempo, havia se formado o desenho de um raizame completo.

Um dia, pedi ao meu marido que me acompanhasse: queria apresentar-lhe a fissura. Ele se sentiu um pouco assustado com o convite, mas foi. Conheceu as fissuras em formato de raízes. Disse que eu estava sofrendo os efeitos da prolongada quarentena. Não estava não: era curiosidade misturada com raiva. Nas semanas seguintes, o asfalto começou a se romper, surgiu um buraco e o local afundou um pouco. Pensei: “Está na hora de eu chamar a prefeitura para consertar”. Deu preguiça. Quem sabe algum vizinho chama. Por que só eu tenho que chamar sempre? Ninguém chamou e, numa noite, um rapaz de bicicleta afobado para entregar uma refeição no prédio ao lado, não viu o tal buraco e caiu com a sacola de comida. Fui ajudá-lo a se levantar, estava bem, mas tinha perdido o pedido e a comida. Poucos dias depois, o buraco já estava com cerca de 5 centímetros de profundidade. A largura era variável, mas as fissuras estavam lá cada vez mais abertas. Em uma delas, estava nascendo grama. A vingança da natureza contra obras humanas mal construídas. Soube pelo porteiro que um carro não apenas perdeu a calota e teve os amortecedores destruídos, mas que também precisou ser guinchado ao passar pelo tal buraco. Era noite e o motorista foi surpreendido. Com o carro danificado, desceu aos gritos praguejando e xingando o prefeito, o vereador e todos os políticos que lembrou naquele momento (tem meu total apoio), responsabilizando-os pelos altos impostos e pelo serviço medíocre prestado aos cidadãos, proferindo um conjunto de frases e palavras que prefiro não transcrever aqui. Perdi a paciência e parti para o exercício da cidadania ativa. Matei a preguiça.

Em caráter emergencial e, na esperança de evitar futuros acidentes com vítimas fatais, pedi aos responsáveis pela obra situada em frente ao buracão que, gentilmente, cedessem um cone — daqueles grandes, altos, cor de laranja com faixas brancas, para colocar sobre ele. Depois de ouvi-los relatar detalhadamente as quedas de moto, bicicletas e calotas perdidas, os auxiliares da obra colocaram o sinalizador e, rindo, disseram que a prefeitura iria tapar o tal buraco com o concreto básico (não sei bem o que isso significava), mas que ele iria abrir rapidinho. Será, pensei? Não tenho nenhuma paciência para telefonemas longos que começam com: “Olá, boa tarde! Você ligou para a central SP 156, estamos todos trabalhando para…”. Desliguei. Deu preguiça novamente. Essa história iria levar, no mínimo, meia hora. Fui direto ao portal SP156.

Acessei a plataforma oficial. Bonita. Mas a forma de organização do site é pouco amistosa com o cidadão. São muitas informações organizadas em categorias no formato de “árvore”, ou seja, pressupõe que a pessoa saiba a sequência de informações para acessar o que está buscando. Não sou especialista em prefeitura e tampouco conheço a lógica de quem programou e diagramou o site. “Vai demorar. Mas tudo bem, vou ao menos tentar”, pensei. O buraco precisava de conserto. Entrei na categoria “Rua e Bairro”; depois em “Tapa buraco”; neste momento, fui direcionada para uma espécie de Manual de Instruções para solicitar o serviço da prefeitura. São 12 itens que, lidos, pretendem apresentar em quais circunstâncias o pedido deve ser realizado pelo cidadão, os prazos, as responsabilidades, entre outros temas. Li com atenção, levei muitos minutos. Já no segundo item denominado “O que é o serviço”, diz que trata-se de um conserto no asfalto em que o órgão responsável remove o asfalto velho ao redor do buraco e o preenche com asfalto novo. Completa informando que a prefeitura se responsabiliza pelos buracos que nascem, como aquele que eu descrevi até agora, naturalmente. Aqueles que são fruto da má qualidade da massa asfáltica, que são originários do péssimo serviço de implantação e conserto, são de responsabilidade dela. Os demais que são criados pela Sabesp, Cetesb e demais concessionárias (algumas dezenas delas) não são de sua responsabilidade. E agora? De quem era o buraco?

Fui até lá para ver a origem. Quem era o dono do buraco? Precisava saber se tinha nome. Nome não tinha, mas tinha uma tampa chamada “águas pluviais”. Estava claro que o afundamento era proveniente do comprometimento de galeria de águas de chuva. Os assistentes da obra continuavam ali, observando. Fui até lá. Perguntei se eles sabiam de quem era o buracão que, agora, já tinha se transformado em cratera. Era possível ver quase uma trincheira aberta, um vazio imenso, parecia o fundo de um poço. “A galeria não deu conta da chuva, dona. Não é só o asfalto, a senhora não está vendo que tem um monte de remendo de outras chuvas no chão?”, perguntou. De fato, estavam todos lá, sobrepostos uns aos outros. Agradeci. Voltei à plataforma. “Iniciar processo”. Cadastrei meu login e senha. Contei a tal história. Semanas depois, o buraco estava recapeado. Desta vez, os assistentes da obra em frente ao “craterão” me observavam. Esperavam por minhas perguntas e estavam mais curiosos com o enredo da novela do que com o seu conserto.

De cara um deles grita do primeiro andar da obra: “Eu não disse doutora? Os homens da prefeitura vieram aqui e rapidinho colocaram concreto em cima. Vai abrir de novo”. Final da história? Que nada! As fissuras retornaram firmes e fortes! Hoje pela manhã fui visitar o local: no entorno da tampa cimentada, tem um novo afundamento. Levei a minha fita métrica: 4 cm. Singelo ainda. Em breve eu, os assistentes da obra e o porteiro assistiremos consternados, a retomada da saga: “O retorno da cratera”, com o roteiro escrito pela Secretaria Municipal das Subprefeituras, a Direção da Prefeitura do Município de São Paulo e tendo como público pagante o cidadão do município de São Paulo. Certeza que vai ganhar a estatueta do Oscar!

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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