Ao reconhecer a memória LGBTQIAP+, cidades assumem papel fundamental na construção de sociedades mais inclusivas

Iniciativas como o Homomonument, de Amsterdã, e o ‘Circuito da Diversidade’, do Rio, promovem a conscientização pública, contribuem para a autoestima da comunidade e criam uma sensação de pertencimento

  • Por Helena Degreas
  • 13/06/2023 16h29 - Atualizado em 13/06/2023 17h21
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO Parada do Orgulho LGBT+ ma Paulista A Parada do Orgulho LGBTQIAP+ foi realizada em São Paulo no ultimo domingo, 11, na Avenida Paulista

Se a memória resulta de experiências afetivas ou físicas particulares vivenciadas por indivíduos e grupos, a história é fruto de trabalho de pesquisa, de reflexão responsável pelo registro, produção e reprodução da memória e de seus vestígios. Trata-se do direito à existência política e à cidadania. Nos últimos anos, inúmeras prefeituras de cidades ao redor do mundo reconheceram a importância cultural e o valor histórico da comunidade LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queers, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais e outras identidades não conformes), iniciando uma série de ações voltadas à constituição de políticas públicas urbanas que visam uma redefinição das posições de grupos minoritários na sociedade, provocando transformações que contribuem para a valorização da diversidade e a promoção dos direitos humanos.

O NYC LGBT Historic Sites Project é um deles. Seu trabalho resultou em um mapa interativo online, fornecendo informações detalhadas sobre locais históricos da comunidade LGBTQIAP+, sua importância cultural e contexto desenvolvendo materiais educativos, como guias de turismo, publicações e exposições, que desempenham um papel fundamental na divulgação da história e relevância social desses locais. A colaboração com instituições culturais, organizações sem fins lucrativos, instituições de ensino, empresas e grupos de ativistas vem se mostrando proveitosa para a promoção dos valores fundamentais como respeito, igualdade e inclusão social, além de fortalecer a identidade e o senso de pertencimento ao ampliar a conscientização pública sobre sua história e cultura.

Outro exemplo inspirador ocorre em Amsterdã, na Holanda, que construiu o Homomonument, um memorial em forma de triângulo rosa que homenageia as vítimas LGBTQIAP+ do nazismo. A Cidade do México, por sua vez, estabeleceu a “Rota da Diversidade”, um itinerário turístico que destaca locais históricos relevantes para os LGBTs. Paris lançou o programa “Paris Ville LGBT+” para promover visibilidade e inclusão, enquanto Sydney desenvolveu o programa “Orgulho em Nossa História” (Pride in Our History), dedicado à preservação e promoção da história LGBTQIAP+. Desde 2012, o Rio de Janeiro, promove o “Circuito da Diversidade” como parte de seu programa de turismo cultural. Por meio de visitas a locais históricos e culturais relacionados à história LGBTQIAP+, como a Praça Tiradentes, que abrigou o primeiro casamento homoafetivo coletivo da cidade, em 2011, resgata a memória de fatos ocorridos e reconhecendo, por meio do projeto, a importância da diversidade sexual e de gênero na construção da identidade cultural da cidade.

Para além dos circuitos e eventos culturais LGBTQIAP+ que movimentam o turismo e impulsionam a economia, os registros históricos dos locais de resistências de minorias excluídas das narrativas oficiais cumprem o papel de construção de uma memória capaz de unir membros do grupo por meio da identificação de um passado comum, fortalecendo a identidade por meio da comemoração de eventos, homenagem públicas a figuras importantes e momentos significativos na história de uma cidade, país ou cultura por representarem valores, crenças, tradições e histórias compartilhadas, tornando-se pontos de referência e orgulho para os residentes e visitantes.

História, memória, patrimônio e passado são permeados por uma multiplicidade de sentidos e versões que refletem uma cultura plural e muitas vezes conflitante, revelando uma sociedade carente de cidadania em seu sentido pleno. É neste sentido que o reconhecimento de uma historiografia alternativa que transcenda a imposição de uma história afetiva “dos vencedores” (Walter Benjamim), materializada em monumentos, obras de arte, lugares e outras manifestações públicas, dedique-se doravante a resgatar e incorporar outras narrativas, por meio de pesquisas que resultem em produção documental da experiência social como legado coletivo da resistência e responsável pela construção e legitimação de cidadania plena.

Por meio do reconhecimento da história e memória LGBTQIAP+, as cidades estão assumindo um papel fundamental na construção de sociedades mais inclusivas, onde a diversidade é valorizada e celebrada. Essas iniciativas não apenas resgatam uma parte importante da história, mas também promovem a conscientização pública, contribuem para a autoestima e o fortalecimento da comunidade e criam uma sensação de pertencimento para todos os indivíduos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. É essencial que mais cidades e governos se engajem nesse trabalho de preservação e valorização da história LGBTQIAP+, garantindo que as vozes e experiências dessa comunidade sejam reconhecidas e celebradas. Somente por meio desse reconhecimento e resgate da memória coletiva poderemos construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva, justa e respeitosa para todos.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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