‘Cidades Esponjas’ se tornam solução inovadora para complexidade das chuvas intensas

Conceito proposto por pesquisador chinês visa transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante temporais

  • Por Helena Degreas
  • 28/11/2023 11h00 - Atualizado em 28/11/2023 12h13
Fotos Gratuitas/Freepik Foto de cidade chinesas Vista aérea de Chongqing, na China, exemplo bem-sucedido de "Cidade Esponja"

Em meio ao aquecimento global, evidencia-se o aumento de chuvas mais intensas, especialmente em áreas urbanas com sistemas de drenagem pluvial desatualizados, inicialmente concebidos para lidar com padrões de distribuição temporal e espacial das chuvas em volumes distintos dos observados atualmente. No século passado, as infraestruturas foram planejadas e construídas para acelerar a coleta de água da chuva em direção a rios, lagos ou oceanos. Embora tenham sido eficientes na captação e encaminhamento das águas pluviais à época, o incremento das chuvas intensas resultou em inundações mais frequentes, desafiando as infraestruturas urbanas devido à sua concentração e volume. Nossas cidades, predominantemente impermeáveis e revestidas por asfalto e concreto, obstruem a infiltração da água no solo interrompendo o ciclo natural de escoamento e infiltração natural.

Neste cenário, o conceito recente conhecido por “Cidades Esponja”, proposto pelo pesquisador Kongjian Yu (Diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pequim) ainda em 2012, surge como uma resposta à necessidade de repensar as abordagens convencionais. Em 2014, já com o apoio do governo central da China, foram criados metas e prazos para reduzir o efeito dos extremos climáticos sobre as áreas urbanas. Estabeleceu-se que até 2020, 20% das áreas urbanas seriam permeáveis e que 70% da água da chuva deveria ser reciclada. Até 2030, isso deveria ser 80%. Em cidades como Wuhan, Chongqing e Xiamen, “pilotos de Cidades Esponja” foram iniciados. Chongqing é um exemplo bem-sucedido: em 2020, 24,2% da área urbana da cidade havia sido transformada. Até 2025, eles esperam que mais de 45% da cidade atenda às metas previstas em planejamento.

As Cidades Esponja buscam transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante chuvas intensas, liberando-as gradualmente em períodos de seca. Essa abordagem visa equilibrar os desafios aparentemente contraditórios de inundações e escassez de água, proporcionando uma solução holística para as complexidades climáticas urbanas. Aparentemente simples, a implementação desse conceito implica em intervenções urbanas e institucionais significativas. Trata-se de uma mudança de cultura no âmbito do planejamento urbano e, principalmente, da maneira de atuar em construção civil quando voltada às infraestruturas destinadas ao cuidado das águas pluviais em cidades. É necessário repensar a infraestrutura urbana, substituindo parte das superfícies impermeáveis por áreas permeáveis, como jardins, parques e espaços verdes. Essas intervenções não apenas ajudam a absorver e reter a água da chuva, mas também contribuem para criar ambientes urbanos mais sustentáveis e resilientes. A criação de microbacias de retenção (espelhos d’água em praças, lagoas em parques são alguns exemplos), telhados verdes e pavimentos permeáveis são algumas das estratégias adotadas para transformar as cidades em verdadeiras esponjas urbanas.

Contudo, a eficácia da iniciativa das Cidades Esponja depende significativamente da capacidade de governança para implementar e gerenciar essas mudanças. Diante desse desafio, propõe-se a criação de um mecanismo institucional dedicado, responsável pela gestão operacional, planejamento, organização, coordenação, governança e avaliação diária da implementação. Essa agência, ou figura administrativa pública, seria encarregada de manter um inventário detalhado dos projetos, registrando informações essenciais desde o tipo de projeto até lições aprendidas. Além disso, atuaria como facilitadora da cooperação internacional, fornecendo orientações e aconselhamentos na elaboração de políticas de desenvolvimento urbano alinhadas ao propósito das Cidades Esponjas, promovendo a integração com outras iniciativas governamentais. Outra questão importante e que permeia os quadros técnicos públicos e institucionais, é a cultura orientada para a engenharia (dura), em que prevalece uma abordagem na qual a dominação do ambiente físico pelos humanos ocorre através de soluções tecnológicas e estruturais para desafios hídricos.

No Brasil, uma das soluções prioritariamente adotadas por governos é bem conhecida: os “piscinões”, estruturas projetadas para armazenar grandes volumes de água pluvial durante chuvas intensas. Embora fundamentais para o controle de águas pluviais, apresentam riscos à saúde pública, propiciando a proliferação de vetores de doenças como dengue. Além disso, causam impactos ambientais ao modificar habitats naturais, afetando a biodiversidade local, e podem comprometer a estética urbana, reduzindo o apelo visual. Sua proximidade também pode depreciar o valor imobiliário de áreas circundantes, enquanto a falta de manutenção pode transformá-los em locais de acumulação de resíduos, prejudicando a qualidade da água e do entorno.

Mesmo na implementação inicial da Iniciativa Cidades Esponjas na China (SCI), essa mentalidade tecnocrática persiste ainda, tratando a iniciativa como um projeto de engenharia convencional. Assim, é crucial que a China promova uma mudança na ideologia de gestão, favorecendo a transição para o pensamento sistêmico na governança e planejamento de desenvolvimento buscando a transformação cultural por meio de iniciativas educacionais e de treinamento para capacitação, juntamente com colaborações em pesquisa.

Em conclusão, a proposta das Cidades Esponjas representa uma mudança fundamental na abordagem de gestão urbana na China, visando lidar de maneira mais eficaz com as questões de inundações e gestão de águas pluviais e serve de referência para a gestão urbana de várias cidades brasileiras. No entanto, o sucesso dessa iniciativa está diretamente relacionado à capacidade do governo em adotar medidas técnicas, de governança, financeiras e organizacionais adequadas para superar os desafios de implementação. A gestão da iniciativa deve transcender a abordagem de projetos independentes para uma governança participativa e programática, incorporando planejamento adaptativo e reflexão contínua. O aprendizado entre cidades, compartilhando experiências e promovendo boas práticas e inovações, desempenha um papel crucial na construção de cidades resilientes à água.

Dessa forma, as Cidades Esponjas não apenas representam uma solução inovadora para as complexidades das chuvas intensas, mas também uma visão abrangente e diretrizes para que governos integrem ações voltadas à implantação de infraestrutura verde e práticas sustentáveis com o objetivo de criar ambientes urbanos mais resilientes e ecologicamente amigáveis. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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