Cidades mais frescas e aprazíveis: conheça iniciativas para o resfriamento urbano em um mundo em aquecimento

Em dias mais quentes, o aumento das temperaturas nas áreas urbanas é agravado por diversos fatores que convergem para o fenômeno conhecido como ‘ilhas de calor’

  • Por Helena Degreas
  • 27/09/2023 16h23
CRIS FAGA/ESTADÃO CONTEÚDO Mulher usa leque em dia de calor Movimento no viaduto do Chá em dia de extremo calor em São Paulo

A primavera, muitas vezes celebrada como a estação mais agradável do ano devido às suas temperaturas suaves e ao aumento da umidade do ar, está sendo afetada pelo calor escaldante, causado pelo processo de urbanização responsável direto pelo aquecimento global. Recentemente, essa estação tão esperada foi marcada por temperaturas excepcionalmente altas, atingindo 36,5°C na cidade de São Paulo, a mais elevada já registrada em setembro por uma estação meteorológica convencional (Instituto Nacional de Meteorologia). Já em Belo Horizonte, na Estação Pampulha, as temperaturas atingiram 38,6°C, estabelecendo um novo recorde histórico desde que o Inmet começou a medir o clima na capital mineira em 1961.

Em dias de calor intenso, o aumento das temperaturas nas áreas urbanas é agravado por diversos fatores que convergem para o fenômeno conhecido como “ilhas de calor”. O tráfego congestionado, com a emissão de calor residual dos escapamentos de carros a gasolina e o funcionamento de condicionadores de ar, desempenha um papel significativo nesse processo. Além disso, a superlotação nas estações de ônibus e metrô, que concentra muitas pessoas e restringe o fluxo de ar, contribui para o aquecimento das áreas urbanas. A exposição direta à luz solar nas estruturas urbanas, como fachadas de edifícios, lajes de telhados e pisos impermeáveis cobertos por asfalto, também intensifica esse efeito. O arranjo das edificações, muitas vezes, interrompe as brisas e ventos que poderiam aliviar o calor, agravando ainda mais as condições de calor extremo. Esses fatores combinados resultam em noites quentes, mesmo com a redução das temperaturas, devido à capacidade das estruturas urbanas de reter e liberar calor, juntamente com a irradiação térmica, criando assim as ilhas de calor urbanas.

Para além do desconforto térmico, esse processo impacta na saúde das pessoas, aumentando o risco de doenças relacionadas ao calor, como insolação e exaustão, afetando de maneira mais severa, crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Diante desse cenário, fica evidente a urgência na implementação de políticas públicas e ações específicas direcionadas ao resfriamento urbano local. O objetivo dessas iniciativas é não apenas reduzir a temperatura das cidades, mas também melhorar a sensação térmica percebida pelas pessoas, contribuindo, assim, para uma qualidade de vida mais saudável e confortável em nossos centros urbanos.

Um artigo recente publicado pelo The New York Times intitulado How to Cool Down a City (Como Resfriar uma Cidade, em tradução livre), destaca os esforços de Singapura, cidade-Estado insular, para lidar com o aumento das temperaturas em suas áreas urbanas. O país asiático, situado próximo à linha do Equador, vem enfrentando temperaturas que facilmente ultrapassam os 35ºC, preocupando governos. Esses ambientes urbanos tórridos não apenas tornam a vida cotidiana insuportável como têm um impacto significativo na saúde, no bem-estar das pessoas e na economia local. A raiz do problema reside na forma como as cidades são construídas e operam. Quase todos os aspectos do planejamento urbano e infraestrutura contribuem para o aumento do calor nas áreas urbanas. 

Reconhecendo a urgência da questão climática, o primeiro-ministro de Singapura classificou as mudanças climáticas como uma questão de “vida ou morte”. Com temperaturas e umidade já sufocantes durante todo o ano, a cidade-Estado aqueceu duas vezes mais rápido do que a média global nas últimas seis décadas. Uma solução eficaz identificada pelos pesquisadores é recuperar os processos naturais de resfriamento do ambiente antes da urbanização. Embora muitas cidades não tenham os recursos financeiros ou a capacidade política centralizada de Singapura para implementar rapidamente novas infraestruturas, muitas das estratégias adotadas pela cidade podem servir como modelos para outras localidades. A primeira delas foi adotar uma abordagem proativa liberando recursos orçamentários para a gestão ambiental da cidade.

Assumir o problema é o primeiro passo que mostra o comprometimento político e a vontade do governo em mitigar as consequências do aquecimento global na escala local. Mais do que palavras, ações. Dentre as táticas implementadas, destacam-se não somente o extenso plantio de árvores, com cerca de 1 milhão delas, mas também a disponibilização de benefícios fiscais para fomentar a arborização, reconhecida como um eficaz recurso para amenizar as altas temperaturas nas áreas urbanas. Adicionalmente, a incorporação de elementos vegetais em edificações, como a adoção de coberturas verdes e fachadas verticais ajardinadas, desponta como medida valiosa. A vegetação desempenha o papel de “persianas naturais” ao criar sombreamento sobre a estrutura, isolando o edifício da exposição direta ao sol e minimizando a retenção de calor nas fachadas e coberturas resultando em uma diminuição na demanda por ar-condicionado. Outras ações incluem a aplicação de tintas refletivas de cores claras nos telhados dos edifícios, que absorvem menos calor reduzindo, a temperatura ao redor em até 2ºC. Regulamentações urbanas foram introduzidas para promover a ventilação cruzada e evitar a exposição direta ao sol de edifícios. Embora seja fundamental repensar o design de edifícios individualmente, também é importante considerar seu impacto no ambiente circundante. 

No entanto, Singapura não está sozinha nesse esforço. Cidades ao redor do mundo estão implementando medidas para tornar seus ambientes urbanos mais frescos e agradáveis. Mudanças no planejamento urbano, como a substituição de asfalto por materiais permeáveis, como concreto poroso e grama, desempenham um papel crucial na redução da absorção de calor nas cidades. Além disso, a criação de espaços verdes, como parques, jardins, praças, alamedas e corredores ecológicos não apenas torna as cidades mais atraentes, mas também ajuda a absorver o calor solar e a melhorar a qualidade e a umidade do ar. A adoção de sistemas de resfriamento passivo, que não dependem de energia elétrica — como sombreamento, ventilação natural e resfriamento evaporativo — também é fundamental nesse cenário de combate às ilhas de calor urbanas. Essas e outras iniciativas demonstram que, com esforços coordenados é possível tornar as cidades mais resilientes aos efeitos do aumento das temperaturas.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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