Cobre do seu candidato: ônibus não precisa ser sinônimo de espera interminável, superlotação e insegurança

Associação Nacional de Transportes Públicos publicou em suas redes sociais uma cartilha que mostra o caminho para melhorar o transporte público das cidades

  • Por Helena Degreas
  • 11/08/2024 08h00
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ELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO Movimento no Terminal Parque Dom Pedro, na região central de São Paulo Passageiros aguardam ônibus no Terminal Parque Dom Pedro, região central de São Paulo

Enquanto assistia ao debate dos candidatos às eleições municipais deste ano, lembrei-me que pela manhã, molhada por uma garoa fina, persistente, chata, tomei o ônibus. Espremida, só pensava no porquê eu havia esquecido a máscara em casa. Estava atrasado, desconfortável, não via a hora de chegar ao destino e esquecer dos solavancos que só quem mora na cidade de São Paulo conhece bem. Leito carroçável, para mim, parece ser uma boa expressão para designar aquele monte de crateras lunares em que mesmo os motoristas mais experientes não conseguem desviar, obrigando passageiros a literalmente “dançar” conforme o movimento do carro. 

Será que, em algum momento, o transporte público poderá ser tratado pelos técnicos municipais, prefeitos e vereadores como um serviço público que vai além do mero ir e vir, proporcionando uma experiência positiva para todos? Imaginemos uma cidade em que o ônibus não seja sinônimo de espera interminável, superlotação ou insegurança, mas, sim, de conforto, rapidez e acessibilidade. Essa é a experiência que muitos de nós, passageiros de ônibus, desejamos ter. Por que não cobrar dos candidatos à prefeitura e à Câmara municipal de sua cidade ações que atendam às necessidades diárias daqueles que utilizam ônibus para se locomover para o trabalho, escola, casa e para o seu lazer? 

Recentemente, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) publicou em suas redes sociais uma cartilha que mostra aos candidatos o caminho para melhorar o transporte público de suas cidades. Uma pesquisa séria, realizada com dados provenientes de estudos com a participação do público envolvido e que teve o apoio de diversas entidades relacionadas ao setor de transporte de pessoas e que acabou recebendo um nome sugestivo: “Como Ganhar Eleições: Transporte Público de Qualidade Para o Cidadão”.

Quem nunca ficou esperando por um ônibus que parece nunca chegar? Isso acontece porque muitas vezes a oferta de transporte não acompanha a demanda da população. A solução para isso é uma gestão eficiente, que revise e atualize constantemente o planejamento do sistema de transporte. Isso inclui o uso de sistemas inteligentes (semana passada escrevi sobre a questão do uso de ferramentas de inteligência artificial e melhor gestão de dados complexos) que ajudam a controlar a operação, integrando diferentes modos de transporte e capacitando as equipes. Menos “achismo” e mais “gestão técnica”. Quando a oferta é insuficiente, é necessário planejar e investir na expansão da rede de transporte. Não adianta atender apenas as áreas centrais. Outras formas de locomoção e transporte precisam ser pensadas para atender a população local. Ouçam os usuários! E não podemos esquecer da renovação da frota de ônibus em toda a cidade, que precisa ser moderna e adequada às necessidades das pessoas. Veículos menos poluentes, com certificações internacionais (Euro 6, com alta eficiência energética e baixo consumo de combustível, como escrevi anteriormente), também contribuem para a descarbonização do planeta.

Segurança é uma preocupação constante. Andar de ônibus não deveria ser uma experiência estressante, marcada pelo medo de assaltos. Uma medida eficaz é substituir o dinheiro por sistemas de bilhetagem eletrônica, desestimulando roubos. O monitoramento através de câmeras nos veículos e em paradas, terminais e estações, aliado ao policiamento reforçado, pode trazer mais tranquilidade. A cartilha sugere também uma infraestrutura mais iluminada nas paradas e terminais, ajudando a aumentar a sensação de segurança, além de campanhas educativas contra o vandalismo e assédio, especialmente para proteger as mulheres.

E o conforto? Vamos cobrar dos candidatos? Ele é essencial e precisa ser cobrado, sim! Já que o usuário em muitos casos chega a ficar três horas dentro do ônibus por dia, quando não mais, é preciso que tenha, no mínimo, ar-condicionado funcionando nas tardes escaldantes que vem por aí graças aos efeitos relacionados às mudanças climáticas. Com wifi instalado, e com boa velocidade. Afinal, é neste tempo que as pessoas leem, assistem às suas séries favoritas ou simplesmente ouvem o noticiário. Precisam estar equipados com assentos que não deixem suas costas implorando por uma sessão de quiropraxia. Pois é, isso também é possível. Tem que cobrar. A renovação da frota com veículos modernos não é apenas um luxo, mas uma obrigação.

O tempo é outro fator crítico. Ele é o bem mais precioso que um ser humano pode ter.  Ou deveria ter disponível. Ninguém gosta de passar horas preso num trânsito caótico. Haja saúde mental! Os planos de mobilidade previstos pela Lei 12.587, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana para integrar e melhorar os transportes de pessoas e cargas nos municípios desde 2012, obriga municípios a instituírem Planos de Mobilidade Urbana organizando a integração dos diferentes modos de transporte, otimizando rotas com metrôs, trens, VLTs, BRTs, ônibus urbanos e até bicicletas. Dar prioridade aos veículos coletivos, com faixas exclusivas e corredores de ônibus, é fundamental para aumentar a eficiência. Gerar ciclovias seguras, cuidar das calçadas, manter as vias em bom estado, reduzir o número de cruzamentos e sincronizar semáforos, incluindo pedestres, são medidas simples que podem fazer uma grande diferença nas nossas vidas. Um sistema de transporte público bem-planejado e eficiente não só reduz o tempo de deslocamento, mas também torna a experiência de viagem mais agradável e menos estressante para todos.

E o preço? Muitas vezes, o valor da passagem pesa no bolso do trabalhador. A adoção de tarifas sociais, que reduzam o custo para passageiros de menor renda através de gratuidades, descontos e subsídios, é uma saída. Em alguns casos, até a tarifa zero pode ser implantada gradualmente. Dezenas de cidades no Brasil já adotaram essa medida. E os resultados vem surpreendendo. Para além de viabilizar a locomoção de várias pessoas, a medida tem impactado a economia. O financiamento pode vir de subsídios públicos e de fontes de receitas extra tarifarias, além da desoneração dos tributos que incidem sobre o transporte público, para que o custo não recaia sobre as tarifas. Resumindo, é preciso que os candidatos utilizem o transporte público coletivo como meio de locomoção diária, como vários prefeitos de cidades mundo afora o fazem, sem a companhia de seguranças armados até os dentes de preferência. Peguem o busão na hora do rush todos os dias e vivenciem os problemas.

O acesso ao transporte também precisa ser fácil para todos. A adoção das normas de acessibilidade relacionadas ao desenho universal não apenas facilita a viagem daqueles que têm mobilidade reduzida, mas permitem segurança e conforto a todos. Melhorar a infraestrutura para embarque e desembarque, construir e manter calçadas, rampas, passarelas, faixas e semáforos para pedestres são passos importantes para garantir que todos possam usar o transporte público sem dificuldades.

Finalmente, a informação é um direito de todos. Melhorar a comunicação com o passageiro, criando canais de atendimento ao consumidor e realizando pesquisas de opinião, é essencial. Canais digitais e aplicativos podem informar sobre horários e rotas de maneira ágil, evitando que as pessoas fiquem esperando desnecessariamente. Transparência no serviço, com melhor comunicação e prestação de contas, também é crucial para manter a confiança da população. As sugestões apresentadas pela cartilha da ANTP aos prefeitos, são objetivas e dependem apenas de vontade política para a sua implementação. Vamos cobrar dos candidatos?

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou no Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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