Como seriam as cidades projetadas pelas crianças? Uma reflexão sobre mobilidade urbana e cidadania ativa

Transformação do espaço público através da visão única e criativa dos pequenos é o desafio proposto pelo Instituto Corrida Amiga, que reimagina o tecido urbano e traz a perspectiva infantil para o centro do debate

  • Por Helena Degreas
  • 20/01/2024 08h00
Freepik Crianças brincando felizes ao ar livre Espanha e Portugal já realizam experiências com a participação de crianças em projetos urbanos

As crianças possuem uma maneira especial de enxergar o mundo. Suas mentes curiosas não são limitadas por convenções, permitindo-lhes sonhar com possibilidades ilimitadas O Instituto Corrida Amiga propõe uma abordagem inovadora ao pensar nas cidades a partir da mobilidade urbana ativa, buscando alterar a forma como nos movemos e transformar nossa relação com o ambiente urbano. O relatório “Diagnóstico: A Cidade sob o Olhar das Crianças A Partir da Mobilidade Urbana” teve o apoio do programa CAU Educa (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) e destaca o papel crucial de crianças e jovens como agentes de transformação, visando um futuro melhor para toda a sociedade. Ao focar na mobilidade ativa, as atividades envolveram reflexões sobre o papel do espaço público na promoção da saúde e bem-estar

A caminhabilidade e o ciclismo não são apenas formas de se locomoção, mas meios para a construção de uma comunidade mais conectada e consciente, pois estimulam a interação com as pessoas e tudo o que está à sua volta. É uma resposta aos princípios adotados pelo urbanismo modernista, que, consolidados no século XX, promoveram, pelo zoneamento funcional, a segmentação de espaços urbanos para atender a diferentes necessidades, resultando na criação de áreas específicas destinados a públicos específicos. É como se os locais destinados às crianças fossem apenas os parques, cabendo aos idosos, por sua vez, os bancos de jardins existentes em praças. Cada um no seu lugar, como se a vida urbana pudesse ser dividida em atividades definidas por tecnocratas. Apesar de visar à eficiência no funcionamento das cidades, essa especialização colaborou com a segregação social e limitou a interação intergeracional, fragmentando a cidade em um conjunto de espaços distintos para funções específicas. Atrelado a estes princípios, o urbanismo motorizado destruiu a fluidez do andar, do caminhar, do flanar como prazer estético, sem pressa, priorizando a fluidez e eficácia do trânsito automotivo, e redefiniu os espaços dos caminhantes em calçadas e faixas de pedestres, entupindo a paisagem urbana com sinalizações voltadas à segurança viária.

Se as crianças fossem urbanistas, priorizariam espaços públicos como elementos essenciais, promovendo interação social. A segurança emocional seria prioritária, com espaços inclusivos e acessíveis. A ideia de acesso à cidade seria ampliada, eliminando barreiras econômicas no transporte público. Educação para mobilidade ativa seria parte do currículo, preparando gerações futuras para cidadania comprometida. A segurança seria prioridade, não apenas em termos de tráfego, mas também no sentido emocional. Espaços públicos seriam projetados para serem inclusivos, acolhendo a diversidade de todas as crianças. A acessibilidade seria a norma, garantindo que todos, independentemente de suas habilidades físicas, pudessem desfrutar plenamente de todos os locais que hoje estão ocupadas por carros. 

A ideia de acesso e direito à cidade, muitas vezes negligenciada, ganha destaque nessa visão alternativa. Se as crianças fossem as planejadoras, o acesso à cidade não seria restrito, mas ampliado. As crianças, ao serem envolvidas nesse processo de transformação, tornando-se agentes ativos em suas comunidades, aprendendo, desde cedo, sobre a importância da mobilidade consciente e como suas escolhas impactam não apenas a si mesmas, mas toda a cidade. A educação para a mobilidade ativa se torna parte integrante do currículo escolar, preparando as gerações futuras para serem cidadãos comprometidos e participativos.

A participação infantil seria uma prática real, por meio de conselhos e projetos participativos, influenciando políticas públicas. Oficinas e consultas seriam processos contínuos. A participação em projetos urbanos seria um direito, reconhecendo a experiência única das crianças. Experiências como esta já existem em outros países como Portugal e Espanha. Nesse contexto, iniciativas bastante relevantes e promissoras envolvendo a participação das crianças e adolescentes — e suas experiências e vivências na cidade — já são realidades. O diagnóstico apresentou o projeto “A Cidade das Crianças”, onde em Valongo, Portugal (2022), foi realizada uma sessão do “Conselho das Crianças”, na qual o poder público português incluiu, em seu planejamento urbano, a visão das crianças.

Outro exemplo citado foi a criação de “Conselhos Infantis” em Rosário, na Argentina, que tem por objetivo, levar melhorias urbanas locais a partir da sugestão de seus principais usuários: as crianças. A maneira como elas experimentam a cidade exerce uma influência significativa em sua infância. Repensar a mobilidade urbana com base na visão infantil é uma provocação à imaginação e uma chamada à ação. Um lugar projetado por crianças investe no futuro, construindo cidadãos comprometidos, saudáveis e plenamente engajados na vida urbana.

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*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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