Conforto para os cidadãos ou para os carros? Preço justo pode ser solução
É fundamental que os governos reconheçam a importância de requalificar o espaço público e priorizar a mobilidade sustentável para criar cidades mais humanas e inclusivas
Gestão eficiente e equitativa dos estacionamentos em áreas públicas das cidades é um tema que tem sido pouco explorado pelos gestores públicos, que frequentemente priorizam o recapeamento asfáltico e a conveniência dos motoristas, esquecendo-se de que a maioria da população utiliza transporte coletivo público, bicicleta ou anda a pé para seus deslocamentos diários. No entanto, o recente relatório “Precificação do Estacionamento em Via Pública: um guia de gestão, fiscalização e avaliação”, publicado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, 2023), aponta uma série de estratégias para solucionar o problema.
Uma abordagem focada na mobilidade sustentável e no uso inteligente do espaço urbano pode criar cidades mais resilientes, equitativas e amigas do meio ambiente, priorizando pessoas em vez de carros: a solução apontada é a gestão eficaz dos estacionamentos nas ruas. Em coluna que escrevi ao longo da pandemia, só na cidade de São Paulo, uma conta rápida apontava que o total de estacionamentos rotativos pagos alcançava impressionantes 495 mil m². Em outras palavras, onde estacionam 45 mil carros é possível acolher 90 mil pessoas com segurança. Prover conforto e segurança aos cidadãos ou aos automóveis? Não deveria ser um dilema atual.
A implementação de uma precificação justa dos estacionamentos pode gerar receita significativa, que pode ser direcionada estrategicamente para requalificação, segurança e expansão da infraestrutura destinada aos pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. Além disso, recursos podem ser destinados à criação de zonas flexíveis de carga e descarga e ao financiamento de melhorias para o bem-estar geral dos cidadãos.
Infelizmente, a disponibilidade de estacionamento gratuito ou de baixo custo nas ruas cria uma espécie de incentivo para os deslocamentos em carros particulares, prejudicando a priorização de modos de transporte mais sustentáveis e o uso do meio de transporte coletivo, por exemplo. Para garantir uma gestão equitativa, é fundamental que os preços de estacionamento reflitam o custo total de produção, considerando o valor dos espaços públicos dedicados a eles.
A pesquisa do ITDP também aponta a necessidade de adotar o princípio econômico básico de que os preços de bens e serviços devem refletir seu custo total, sem subsídios injustificados. No entanto, o estacionamento é uma exceção a essa regra, uma vez que os motoristas usufruem desproporcionalmente do espaço em comparação com outros usuários das vias públicas. O leitor já observou quanto espaço é ocupado na cidade pelos automóveis parados nela?
Além das questões econômicas, complexidades políticas também desempenham um papel importante na implementação e gestão dos estacionamentos em áreas públicas. Pressões políticas podem dificultar a implementação de sistemas de precificação e a gestão eficaz da demanda de estacionamento ao longo do tempo. Transparência e participação ativa da comunidade, cobrando da prefeitura de sua cidade medidas para repensar o preço justo da vaga na rua e a requalificação do espaço existente para uso das pessoas, são essenciais para lidar com essas complexidades e garantir uma gestão eficiente do espaço público. Outro fator desafiador é a abordagem fragmentada adotada na gestão pública do assunto, com decisões desalinhadas das visões políticas e muitas vezes contraditórias em relação ao transporte e uso do solo. Essa falta de coordenação entre diferentes órgãos pode dificultar a implementação de políticas integradas que priorizem o pedestre e promovam uma mobilidade mais sustentável e inclusiva.
O guia traz ainda exemplos inspiradores. Budapeste e Barcelona mostram como uma gestão eficaz dos estacionamentos em áreas públicas pode trazer benefícios significativos. Em 2010, a prefeitura de Budapeste criou a Central de Transporte de Budapeste (BKK), responsável por supervisionar todos os aspectos do transporte urbano, incluindo transporte público, gestão viária, infraestrutura para bicicletas e pedestres, táxis e estacionamentos. A BKK integrou as funções antes exercidas pela Parking Kft e elaborou um orçamento integrado de transporte, aumentando a previsibilidade do financiamento das operações de transporte. Trabalhando com o governo municipal, a BKK busca implementar o Plano Municipal Balázs Mór para reduzir o uso de veículos particulares e melhorar o transporte público e ativo em toda a cidade.
Barcelona, por sua vez, implementou a precificação justa e limitou a duração do estacionamento em via pública para reduzir congestionamentos e melhorar a eficiência das vagas. A empresa Barcelona de Serveis Municipals (BSM) supervisiona o estacionamento e gerencia o sistema de bicicletas compartilhadas da cidade. A receita de estacionamento é direcionada a projetos de mobilidade e a BSM trabalha para reduzir vagas gratuitas no centro da cidade, oferecendo descontos para veículos ecológicos e de emissão zero.
Para enfrentar esses desafios, é essencial adotar uma abordagem integrada e coordenada na gestão de estacionamentos em áreas públicas, com transparência nas decisões e envolvimento da comunidade. É fundamental que os governos reconheçam a importância de requalificar o espaço público e priorizar a mobilidade sustentável para criar cidades mais humanas e inclusivas, onde as pessoas estejam em primeiro lugar e o espaço seja utilizado de forma inteligente e equitativa. Somente assim poderemos garantir o uso eficiente e equitativo do espaço público, favorecendo modos de transporte de média e alta capacidade e/ou baixa poluição, como transporte público, bicicleta e mobilidade a pé e transformar as antigas vagas para carros em espaços voltados ao uso de crianças, jovens e adultos.
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*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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