É possível preservar a magia das celebrações de Ano Novo sem os impactos negativos dos fogos de artifício

Do bambu à tecnologia, drones e lasers reinventam as festas de Réveillon criando espetáculos mais inclusivos

  • Por Helena Degreas
  • 07/01/2025 08h00
  • BlueSky
Reprodução/YouTube/TalkShowsCentral Imagem com Feliz 2025, escrita em mandarim, reproduzida por drones sincronizados Drones sincronizados por inteligência artificial criaram imagens deslumbrantes no céu de Shenzen, na China, durante o Réveillon

Quando jovem, e lá se vai um bom tempo, as celebrações da entrada do Ano Novo sempre tiveram um caráter mágico para mim. Primos, tios e amigos reuniam-se, animados, na casa de veraneio de algum parente, preparados para a festança. Pouco antes da meia-noite, íamos à praia colocar em prática todos aqueles rituais e comportamentos, para mim, incompreensíveis à época: pulávamos sete ondas, vestíamos branco, acendíamos velas, entrávamos no mar, mentalizávamos coisas boas, escrevíamos nossos desejos na areia e oferecíamos flores brancas, perfumes, frutas à Iemanjá, a rainha do mar. Todos aguardando ansiosamente o dia seguinte na esperança de que todas as oferendas, cada qual com um pedido, tivessem sido aceitas. Quando devolvidas pelas ondas, quanta tristeza! Buscávamos a realização de sonhos que o cotidiano, imposto pela rotina por vezes ingrata, não nos permitia alcançar. E ali, naquele encontro à beira-mar, o sincretismo brasileiro se manifestava unindo. Católicos, protestantes, judeus, evangélicos, budistas e ateus em uma só celebração, pelo culto de matriz africana à Orixá, rainha do mar — Salve, Iemanjá!

Sonhar, desejar algo bom, pedir algo para a dona daquele mundo de água salgada, imaginava eu, era de graça. Por que não? Junto com as celebrações, aguardávamos, num misto de ansiedade e medo, a queima dos fogos. “Será que neste ano vão durar muito tempo?”, perguntava uma das crianças. “Parece que o prefeito desta vez gastou muito dinheiro com a contratação dos amigos dele para o evento”, comentava um conhecido que se dizia “próximo” a ele.

Começavam os estampidos. Ensurdecedores. Medo e ansiedade aguardando o momento em que o céu explodiria em um espetáculo colorido misturado ao cheiro de pólvora e à fumaça, que, no mais das vezes, para além dos olhos ardidos e lacrimejantes, não nos permitia ver absolutamente nada graças ao fumacê produzido pela queima dos rojões. Enquanto uns comemoravam, outros se protegiam. Cães tremiam escondidos em algum canto da casa, bebês choravam sem entender a razão da barulheira e muitos, alheios à euforia da virada, apenas aguardavam, resignados, o fim daquela invasão sonora que os perturbava.

O uso de fogos de artifício em celebrações de Ano Novo remonta à China antiga, por volta do século VII. Inicialmente desenvolvidos para espantar espíritos malignos com seus sons e luzes, os fogos eram feitos de bambu recheado com pólvora. Com o tempo, a prática se espalhou por outras culturas, adquirindo diferentes significados. Na Europa, a tradição ganhou popularidade entre os séculos XVI e XVIII, principalmente em eventos da nobreza, antes de ser associada amplamente às festividades de Réveillon. Hoje, os fogos simbolizam um novo começo, marcando a passagem do tempo com cor, brilho e entusiasmo ao redor do mundo.

No entanto, o que antes parecia ser um símbolo universal de alegria agora carrega um peso difícil de ignorar. Vivemos em cidades, e, no Brasil, cerca de 85% da população reside em áreas densamente povoadas, o que torna o impacto dos fogos de artifício ainda mais relevante.
O uso de fogos em comemorações, embora tradicional e visualmente atrativo, acarreta uma série de impactos negativos que vão além do desconforto, afetando a saúde física e psicológica. Os sons intensos e repentinos, classificados como ruídos de impulso, podem ultrapassar 160 dB em curtas distâncias, muito acima do limite de 149 dB considerado seguro para a audição. Mesmo a 100 metros do local de lançamento, os níveis sonoros variam entre 100 e 115 dB, com frequências baixas chegando a 125 dB, o que pode resultar em perda auditiva temporária ou permanente, zumbido e desconforto extremo. Além disso, esses ruídos afetam o sistema cardiovascular, aumentando a pressão arterial e a frequência cardíaca, e prejudicam o sono, especialmente de crianças e idosos.

A fumaça liberada, rica em partículas, agrava doenças respiratórias, como a asma, enquanto o impacto psicológico inclui estresse, crises de ansiedade e pânico, especialmente em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Animais domésticos, extremamente sensíveis ao barulho, também sofrem, muitas vezes apresentando comportamentos como fuga, agressividade ou sinais de pânico. Embora o espetáculo possa encantar, é importante considerar esses efeitos adversos ao buscar alternativas mais seguras e inclusivas. Pesquisas e textos nas áreas da saúde detalham as consequências, apontam as desvantagens ou elucidam os prejuízos relacionados ao seu uso.

Em resposta a esses desafios, algumas cidades ao redor do mundo têm demonstrado que é possível preservar a magia das celebrações de Ano Novo sem os impactos negativos associados aos fogos de artifício. Séculos depois de sua invenção, a China surpreendeu ao celebrar o Ano Novo com um espetáculo que substituiu explosões e fumaça por tecnologia de ponta. Na cidade de Shenzhen, milhares de drones sincronizados por inteligência artificial criaram imagens deslumbrantes no céu, como círculos, dragões e feixes de luz, impulsionando o turismo cultural e destacando o país na vanguarda da economia de baixa altitude, prevista para alcançar 1,5 trilhão de yuans até 2025. Londres, Dubai e Seul, entre outras cidades, também adotaram projeções de laser, drones e luzes em suas celebrações, usando essas tecnologias para saudar o Ano Novo e promover expressões culturais locais. Esses espetáculos oferecem uma alternativa silenciosa e sustentável, onde deuses míticos, mensagens festivas e histórias culturais entrelaçam-se no céu, encantando o público sem os impactos negativos dos fogos de artifício.

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As alternativas estão ao nosso alcance, mas talvez falte a determinação para colocá-las em prática. Projeções de laser, espetáculos de drones—existem tantas maneiras de reinventar as celebrações. Comportamentos e tradições precisam adaptar-se às necessidades de todos e às tecnologias do seu tempo. Este ano, ao ouvir os primeiros estrondos, não pude deixar de imaginar como seria um Ano Novo diferente. Um céu iluminado por inovações silenciosas, onde o espetáculo visual encantasse a todos sem assustar animais, perturbar crianças ou poluir o ar. Um ambiente de celebração inclusiva, em que humanos e não humanos compartilhassem o prazer de vivenciar as celebrações em conjunto.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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