Eletricistas, pintoras, azulejistas e pedreiras trabalhando em canteiro de obras? Sim, e são muitas

Organizações não governamentais e coletivos urbanos capacitam mulheres para que elas reformem suas casas e ao mesmo tempo consigam disputar vagas de emprego na construção civil

  • Por Helena Degreas
  • 08/03/2023 17h02
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Reprodução/Instagram/@arquiteturanaperiferia Mulher com pá jogando terra no balde em casa na favela Mulher apoiada pelo projeto Arquitetura na Periferia trabalha na construção de um banheiro para a sua casa

Mercado de trabalho predominantemente masculino, os canteiros de obra estão sendo ocupados lentamente por mulheres em todo o país. E não são apenas como arquitetas, engenheiras, designer. Vai muito além da visão construída pelo “senso comum”. Quer na construção do novo cômodo para acolher um parente recém-chegado ou no reparo informal do tipo do it yourself  (faça-você-mesmo em inglês), realizar novas obras, reparos e modificações são atividades cotidianas d@s brasileir@s desde sempre. Mesmo sem a ajuda de especialistas. Culturalmente, em todas as sociedades, existem diferenças entre o que se espera ou se permite que uma mulher possa ou não fazer, impactando em todas as fases de sua vida e do seu bem-estar. Ao restringir a possibilidade de escolhas de um ser humano, quer por pré-conceito, ignorância ou má-fé, todos os grupos sociais são afetados, não apenas economicamente, mas em vários aspectos da vida social. Ao romper as barreiras que impedem o pleno desenvolvimento social de meninas, jovens e mulheres, conquista-se a independência do ser e do agir, campo aberto para a conquista da cidadania.

É nas periferias dos grandes centros e nas áreas rurais que as mulheres fazem toda a diferença na autoconstrução: cuidando da rotina da casa, dos filhos, do emprego formal ou informal, suas múltiplas jornada de trabalho incorporam as atividades da construção civil. Realizar reparos, modificações, reformas e ampliar o “barraco” significa levantar paredes, pintar cômodos, assentar azulejos, fazer a serralheria, marcenaria, refazer a fiação elétrica e instalar todo um sistema hidráulico para transformar seu lar em lugar confortável e digno para criar seus filhos. Com a ajuda de outras mulheres em situação idêntica, produzem as moradias onde cerca de 8% da população nacional mora. As favelas e demais assentamentos informais abrigam mais de 17 milhões de pessoas: equivalente à população de Portugal (2020) e Líbano (2020) somadas. É um país de segregados urbanos. Deste contingente, 8% são mulheres pretas e pardas — e um número menor de brancas —, um grande percentual com filhos, baixa escolaridade e sem companheiros. Juntas, compõem cerca da metade dos domicílios financeiramente mantidos por elas.

Para melhorar a moradia na periferia das regiões metropolitanas, organizações não governamentais e coletivos urbanos vêm profissionalizando a atuação de mulheres para o exercício de atividades na construção civil. O projeto @arquiteturanaperiferia é um dos vários exemplos espalhados pelo país que apresentam as práticas e técnicas de planejamento de obras, oferecendo um microfinanciamento para que as mulheres conduzam com autonomia e sem desperdícios as reformas de suas casas. O trabalho é importantíssimo, pois impacta positivamente não apenas a autonomia e autoconfiança das participantes, mas também na vida, na saúde, na educação de todos: filhos, família e comunidade. A qualificação profissional amplia a capacidade de análise, discussão, prospecção, planejamento e cooperação entre os envolvidos, possibilidade de regularização fundiária, além de abrir espaço para a contratação por parte de empresas do setor de construção civil de mão de obra feminina altamente qualificada.

Nas disciplinas que ministro em planejamento ambiental, costumo dizer aos alunos que o cultivo de uma única espécie pode provocar a exaustão do solo, o empobrecimento nutricional, o surgimento de doenças na lavoura, além do desequilíbrio ambiental. Da mesma maneira, um canteiro de obras onde predomina o gênero masculino, situações rotineiras de trabalho, de interação social e de comunicação, pode gerar conflitos e desequilíbrios nas questões da saúde física, emocional e profissional. A revisão da cultura de contratação das empresas envolvidas na construção civil faz-se necessária com o objetivo de incluir, em seus quadros, para além dos serviços de escritório, as atividades em canteiros de obras. Seguindo-se as regras de segurança do trabalho e a Norma Regulamentadora (NR) 17, que trata da ergonomia na construção civil, pesos e medidas adequados à saúde dos profissionais envolvidos passam a ser respeitados. Num ambiente masculino, a inclusão de mulheres pode trazer novas possibilidades, mais produtividade, redução do desperdício, melhores resultados na evolução das equipes e um ambiente que, pela diversificação de seus membros, tende a ser socialmente saudável e melhor.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram@helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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