Ferramentas digitais vão revolucionar a maneira como enfrentamos os desafios urbanos

Prefeituras devem se empenhar em exibir modelos físicos ou digitais dos projetos em locais públicos, permitindo que os cidadãos visualizem e compreendam melhor as mudanças propostas

  • Por Helena Degreas
  • 29/08/2023 09h00
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rawpixel.com/Freepik Cidade inteligente futurista com tecnologia de rede global 5g Big Data Analytics permitirá que cidades inteligentes empreguem tecnologia para analisar e compreender grandes volumes de dados

Recentemente, assisti a uma das audiências públicas para a Revisão Parcial da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), mais conhecida como Lei de Zoneamento (Lei 16.402/2016), por meio de um dos encontros online agendados pela prefeitura do município de São Paulo. De acordo com o texto apresentado no site oficial, a população poderia participar de casa ou do celular. Embora reuniões online sejam bem-vindas no meio corporativo, a situação é bem diferente e difícil quando se trata da população que faz uso da internet por banda larga, com base em ferramentas mais limitadas, como telefones celulares, ou mesmo por acesso discado, de acordo com a pesquisa publicada no livro “Desigualdades Digitais no Espaço Urbano: Um Estudo Sobre o Acesso e o Uso da Internet na Cidade de São Paulo” (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br). Participa quem pode e tem os recursos digitais, não necessariamente quem quer.

Os comentários realizados pelas redes sociais durante o evento por grupos de cidadãos interessados em entender e, posteriormente, apresentar propostas que visam, como eu, contribuir com a gestão de impactos urbanísticos (hoje feita somente por meio da exigência do Estudo de Impacto de Vizinhança para alguns grandes empreendimentos), promover a qualificação ambiental da cidade por meio da redução do problema das ilhas de calor e da gestão integral das águas na escala do lote urbano ou ainda contribuir com a preservação dos bairros, mostravam-se incapazes de compreender a linguagem hermética dos técnicos que se propuseram a explicar o zoneamento. Ao ser questionado por uma cidadã se havia algum projeto, planta ou imagem que permitiria a ela “ver” as propostas da prefeitura, fui surpreendida com a resposta do agente público palestrante: não temos ainda. As cidades do século XXI enfrentam desafios complexos que exigem abordagens, se não inovadoras, para garantir um futuro urbano sustentável e que ofereça qualidade de vida, que ao menos disponibilizem materiais adequados à população para leitura, seja ela em meio físico ou virtual. Nesse contexto, as ferramentas digitais existentes detêm o potencial de revolucionar a maneira como enfrentamos os desafios urbanos. 

Por décadas, o planejamento urbano tradicional muitas vezes esteve limitado a processos burocráticos e decisões tomadas nos gabinetes. Plantas, volumetria da forma urbana e tabelas eram os instrumentos utilizados por este grupo de seletos profissionais. Foi apenas em 2001, por meio da promulgação do Estatuto da Cidade, que a participação dos cidadãos nas decisões relacionadas à cidade onde moram transformou-se em realidade. Embora as formas de participação sejam adequadas à legislação vigente e atendam às diretrizes do estatuto, a maneira de apresentação de informações como textos, gráficos e planilhas poderiam ter sido adequados a uma linguagem mais apropriada, direcionada ao público leigo.

Nenhum cidadão deveria ser obrigado a entender textos formulados por advogados, urbanistas, geógrafos, biólogos, engenheiros, cientistas sociais, economistas e demais profissionais envolvidos na elaboração de toda a regulamentação urbanística em vigor na cidade. É natural, portanto, a pergunta da cidadã. O que não se espera é a ausência de conteúdos adaptados a ela. Como a prefeitura espera a participação ativa da população na elaboração de um futuro urbano democrático se o material disponibilizado não foi adaptado para a compreensão e interação? Não basta apenas a aplicação dos instrumentos previstos, como audiências, oficinas, consultas públicas, fóruns de debates, pesquisas e enquetes. É necessário também que a prefeitura se empenhe em exibir modelos físicos ou digitais dos projetos em locais públicos, como bibliotecas ou centros comunitários, permitindo que os cidadãos visualizem e compreendam melhor as mudanças propostas.

Sou de uma época em que os desenhos eram realizados à mão. Dos detalhamentos de marcenaria ao projeto urbano, perspectivas inteiras eram trabalhadas na lapiseira, nanquim, canetões coloridos e vários outros instrumentos gráficos. Levavam uma vida inteira para serem finalizados. No papel. Se errássemos um ângulo, perdíamos todo o trabalho. Não tenho saudades, creiam. Era um trabalho penoso. Atualmente, para a sorte dos profissionais formados neste século, temos cada vez mais recursos tecnológicos que nos permitem expor em minutos como mobiliários, residências e áreas urbanas podem ficar com a mudança de uma lei.

As informações outrora enterradas em tabelas e planilhas, circulando por diversos departamentos e mãos, agora encontram abrigo no universo do Big Data Analytics, permitindo que cidades inteligentes, geridas por prefeitos inteligentes, empreguem essa tecnologia para analisar e compreender grandes volumes de dados, guiando suas decisões de forma precisa e analítica, não só agilizando o processo, mas também criando cidades mais representativas e alinhadas com os anseios da população. Se os dados e suas análises estiverem disponíveis em plataformas de acesso e compreensão “amistosa” à gente comum, mais transparente será a gestão pública.

Da lapiseira aos bits e bytes, imersões em novas áreas urbanas previstas e demais ferramentas, design aprimorado e direcionado para visualização de dados em gráficos inteligíveis construídos como ferramentas de visualização que permitem apresentar a evolução para um futuro urbano melhor, podem tornar as informações mais acessíveis e envolventes, permitindo que os cidadãos compreendam as implicações das escolhas urbanas de maneira mais clara. Com um simples clique, podemos revelar como residências e áreas urbanas podem se metamorfosear com a mudança de uma única lei. Ao utilizar os instrumentos adequados para comunicação e informação focando num público amplo e leigo, as prefeituras podem construir uma conexão mais sólida com os cidadãos, tornando o processo de tomada de decisão mais inclusivo e informado. O resultado é uma participação mais significativa da população, que contribui para a criação de comunidades mais coesas e bem-informadas, responsáveis pela co-criação do futuro das cidades.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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