Nem toda cidade é um cartão postal
Se tem algo que me tira do sério são as imagens minuciosamente escolhidas por peças publicitárias para apresentar as maravilhas que as cidades brasileiras têm a oferecer aos turistas nas férias escolares
Se tem algo que me tira do sério são as imagens minuciosamente escolhidas por peças publicitárias para apresentar as maravilhas que as cidades brasileiras têm a oferecer aos turistas durante o período de férias escolares. Elas prometem a experiência da felicidade, do bem-estar e da aventura por meio de paisagens deslumbrantes com pessoas sorrindo de forma exagerada, quase falsa. Como uma marca registrada, as imagens são projetadas para lembrar emoções positivas e criar uma associação direta entre o destino e momentos felizes. Mas será que esse clichê ainda funciona? Todos nós já vimos esses anúncios. Tenho a impressão de que os criadores destes anúncios desistiram, há muito, de criar. Recentemente, assisti a uma anúncio de Visit Oslo, (NewsLab) destinado a alavancar a visitação de turistas para a cidade de Oslo, capital da Noruega, por meio de uma abordagem, no mínimo, peculiar. Atormentado pelo tédio, um morador apresenta a cidade a partir do seu olhar desanimado com as situações cotidianas que vivencia dia após dia. A certa altura, sentindo um pouco de nojo, observa pessoas animadas saltando nas águas do rio que atravessa a cidade e, pergunta-se algo como “Isso é mesmo uma cidade?” ou ainda, “não tem nada exclusivo, é tudo tão disponível…”. De forma irônica e de humor levemente ácido, a campanha parece questionar a relevância, a importância ou o potencial do local para agradar ao público.
É como se, nas palavras dos criadores da peça “anti-publicitária”, um guia turístico que, em vez de deslumbrado, mostra-se levemente entediado mostra os pontos turísticos com um suspiro, mencionando vez e outra, algumas frases como “essa é mais uma das famosas estátuas de Gustav Vigeland… se é que você se importa.” É uma abordagem que parece dizer: “Olha, sabemos que já viu milhares de fotos de lugares perfeitos. Venha ver algo real.” É uma estratégia que, “ao desafiar as expectativas, cria um contraste intrigante com as campanhas tradicionais, gerando curiosidade e interesse.” A cidade de Oslo decidiu que não queria mais esse tipo de associação para trazer turistas. Cansada de se perder na homogeneidade das campanhas tradicionais e, com uma pitada de humor, a resolveu inovar.
Fonte: newslab.no
Cidades são feitas pelas pessoas e para as pessoas ou, ainda, deveriam ser. As campanhas tradicionais tendem a ignorar a complexidade e a fragmentação das cidades, apresentando uma imagem idealizada, homogênea, parcial e, em alguns casos, chegam a vender estereótipos. Narrativas idealizadas, não necessariamente, cidades.
Campanhas turísticas tradicionais, como as do Rio de Janeiro e São Paulo, costumam destacar apenas os pontos turísticos mais conhecidos e glamourosos, como as praias cariocas, o Cristo Redentor, o Carnaval e a Avenida Paulista. Essa abordagem, embora eficaz para atrair turistas, cria uma imagem superficial e irrealista, ignorando a diversidade, as contradições e os desafios socioeconômicos presentes nessas cidades. No sentido contrário àsrepresentações idealizadas, abordagens mais autênticas, como a da campanha de Visit Oslo, buscam mostrar um retrato mais fiel e crítico da realidade urbana. Reconhecer as nuances e complexidades de uma cidade, incluindo seus problemas e desigualdades, pode gerar uma conexão mais profunda com o público e atrair visitantes que buscam experiências mais genuínas e significativas.
Afinal, as cidades são muito mais do que cartões postais e atrações turísticas. São espaços vivos e dinâmicos, marcados por contrastes e contradições. Ao abraçar essa complexidade, as campanhas turísticas podem oferecer uma visão mais completa e honesta, convidando os visitantes a explorar não apenas a beleza, mas também a alma e a identidade de cada lugar. Contar histórias envolventes que capturam a essência de um lugar e sua cultura pode ajudar a criar uma conexão emocional com os potenciais turistas. Narrativas complexas e personagens locais podem proporcionar uma visão mais profunda e interessante do destino. Apresentar um contraste entre o que é geralmente conhecido e o que é surpreendente ou desconhecido sobre um destino pode captar a atenção e desafiar preconceitos. Isso pode incluir revelar segredos locais, atrações menos conhecidas ou aspectos culturais únicos. Viajar é muito mais do que tirar fotos instagramáveis em pontos turísticos. É sobre vivenciar experiências únicas, conhecer novas culturas e se conectar com as pessoas e os lugares que visitamos. Isto é uma cidade. A imperfeição, o diferente, o inusitado não são apenas aceita e toda a experiência vivenciada, é celebrada. Cada cidade, cada lugar tem uma história única para contar.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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