Precisamos de um novo design, um design para um mundo melhor
Está cada vez mais perto. O que os cientistas e ambientalistas alertavam há alguns anos está se tornando inegável à frente dos nossos olhos, atingindo nossos amigos e nossas famílias. O calor insuportável, a necessidade constante de ar-condicionado, as mortes de animais e as tragédias climáticas evidenciam o colapso pelo qual colocamos nosso Planeta. Johan Rockström, cientista sueco reconhecido internacionalmente por seu trabalho em questões de sustentabilidade global, afirma: “Somos a primeira geração a saber que enfrentamos riscos ambientais globais sem precedentes, mas ao mesmo tempo somos a última geração com uma chance significativa de fazer alguma coisa com relação a isso.” E o que estamos fazendo? As Nações Unidas se reúnem todos os anos há aproximadamente 30 anos para discutir sobre os impactos da ação humana no Planeta. O problema é que os 194 países buscam fazer acordos unânimes na tentativa de costurar compromissos que, apesar de firmados, não resistem às barreiras políticas e interesses econômicos internos dos próprios países.
Os desafios que enfrentamos hoje não são tecnológicos. Nosso maior problema é o comportamento humano. A era da abundância, do luxo e da tecnologia também é a era do desperdício, do lixo, da ameaça. A forma como desenhamos nossa vida, o que consumimos, o que produzimos, como remuneramos… tudo precisa ser redesenhado. Para Don Norman, renomado designer, autor e educador conhecido por seu trabalho de design centrado no usuário e pelo termo “experiência do usuário”, o UX tem se mobilizado a pensar em como todos nós podemos desenvolver uma mentalidade de designers e ajudar a projetar um mundo melhor. Para ele, o comportamento humano está no centro dos problemas que enfrentamos. Mesmo que criemos mais políticas ou tecnologias que visem mitigar as alterações climáticas, o sucesso de qualquer uma destas iniciativas dependerá da vontade e capacidade das pessoas para mudarem o seu comportamento e adotarem novos hábitos. No entanto, é muito difícil mudar. Do ponto de vista da ciência cognitiva sabemos que temos uma tendência natural à inércia. Ela é uma força poderosa em nossas vidas. É incrivelmente tentador e confortável permanecer imóvel, conservar nossa energia. Novas mudanças, por sua vez, ativam o sistema cerebral de resposta ao medo e às ameaças e liberam hormônios do estresse, como o cortisol, que nos deixam ansiosos e inseguros. Há uma tendência natural a procurar a estabilidade, a previsibilidade. Além disso, o cérebro prioriza as informações que recebe por meio dos sentidos. Questões que são difíceis de perceber diretamente, como os efeitos das alterações climáticas podem ser muito abstratas e até pouco confiáveis, tornando-as pouco compreensíveis, sem falar que não são imediatas o que as torna ainda mais intangíveis.
Isto faz com que a maioria das pessoas seja míope na sua tomada de decisões, especialmente sobre o futuro. Cultivamos um pensamento de curto prazo, o que tem comprometido o futuro das próximas gerações e colocado em risco a justiça intergeracional. A justiça intergeracional reconhece que as ações e decisões tomadas hoje têm um impacto significativo nas condições de vida e no bem-estar das gerações futuras. Implica em considerar os interesses e necessidades das gerações futuras ao tomar decisões políticas, econômicas, ambientais e sociais no momento presente. Nossa geração está hipotecando o futuro. Roman Krznaric filósofo social e autor do livro: Como ser um bom ancestral, afirma que tratamos o futuro como um posto avançado colonial distante e que assim como os colonizadores europeus ignoraram a presença dos povos originários ao chegar nas Américas, classificando-as como “terra nullis” ou terra de ninguém, nós também estamos pilhando o futuro das próximas gerações e enxergando o futuro como “tempus nullis” ou tempo de ninguém. Precisamos urgentemente imaginar novos cenários, novas formas de viver não somente para nós, mas para todos os seres vivos. Desenhar experiências centradas na vida, na humanidade. Para isso, é fundamental resgatar o simbólico, a capacidade de sonhar e imaginar das novas gerações, combater o analfabetismo do imaginário. Desenhar novas experiências, um design melhor para o mundo, pressupõe imaginá-lo. Ao mesmo tempo que o comportamento humano é o problema, ele também é a solução, porque a solução tem de partir das pessoas. Esticar nossa visão de tempo, olhá-lo com mais profundidade, imaginar novos cenários futuros, considerar os saberes ancestrais, reconhecer a importância de cada ser vivo, tudo isso perpassa a capacidade de nos letrarmos em futuros, e reconhecer que caminhos alternativos podem ser pensados e criados. Este movimento precisa iniciar em organizações, escolas, governos, nos tornando protagonistas e empoderados no enfrentamento dos problemas, assegurando que todas as vozes sejam ouvidas, não somente para garantir o futuro, mas também para libertá-lo. Uma Pedagogia de Futuros, que ensine e transborde ações de esperança e nos ajude no desenho de um mundo melhor.
A autora da coluna desta semana é a psicóloga e pedagoga Karina Nones Tomelin (@karina.tomelin). Além de mestre em educação, é autora de “Pedagogia de Futuros: guia teórico e prático de letramento de futuros para instituições educativas, empresas e governos”. O convite realizado se deve à urgência do tema relacionado ao design de cidades melhores. Venho reiteradamente escrevendo sobre a urgência na elaboração de políticas públicas urbanas proativas e eficazes relacionadas ao gerenciamento de riscos climáticos e à respectiva obrigatoriedade dos entes federativos em tratar de aspectos preditivos nas questões relacionadas aos extremos climáticos. Que seu texto inspire atores políticos, instituições públicas, empresas e sociedade na elaboração e financiamento de ações práticas para a construção de cidades melhores para milhões de famílias que, em seus lares, aguardam por uma vida digna, em segurança e sentindo-se, dentro do possível, bem.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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