Prefeitura hostil: quando as intervenções no espaço público mostram que o cidadão não é bem-vindo

‘Projetos antimendigos’ representam uma espécie de limpeza social urbana cujo objetivo é expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta

  • Por Helena Degreas
  • 09/02/2021 09h00
Helena Degreas O último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344

Instalar pedras sob viadutos, chuveirinhos que borrifam água sob marquises ou espetos de aço sobre superfícies impedindo o uso do espaço público são atitudes que simbolizam a hostilidade social para com as pessoas. Nada disso é novidade. Basta olhar ao seu redor para encontrar vários exemplos pelas ruas da cidade. Mas, quando a ação inexplicavelmente vem de um agente público, o fato, além de condenável, mostra que a prefeitura não gosta dos seus cidadãos e intervém de forma agressiva para evitar comportamentos considerados “inadequados” por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar da população. Dito de outra forma, tanto dos paralelepípedos da gestão Haddad quanto os jatos de água provenientes dos caminhões-pipa e os muros inclinados das gestões Serra/Kassab/Doria foram, e ainda são, soluções que colocam em prática os famigerados “projetos antimendigos”. Representam uma espécie de limpeza social urbana que tem o objetivo expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta na capital financeira da América Latina. “Regras higienistas” colocadas em prática por várias gestões municipais. 

Todas essas ações expõem a incapacidade das prefeituras de oferecer as ferramentas sociais necessárias para que grupos vulneráveis, no caso os cidadãos em situação de rua e em condições de miséria, estejam capacitados a tomar parte da vida comunitária, permitindo-lhes usufruir da igualdade de direitos e benefícios que a cidade pode e deve oferecer a todos indistintamente. Integração e reintegração social deveriam ser as palavras-chave para as ações da prefeitura. Por fim, apresenta um quadro em que as políticas públicas destinadas à moradia e geração de renda como prevenção à situação de rua não estão sendo aplicadas de maneira eficaz, pois não alcançam os grupos vulneráveis. O último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344, e após a recessão provocada pelos efeitos da paralisação das atividades econômicas provocadas pelos protocolos sanitários adotados pelos municípios que compõem o Estado de São Paulo, estes números foram ampliados. Para o Padre Júlio Lancelotti, que na semana passada literalmente quebrou a marretadas as pedras instaladas sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo pela zeladoria municipal, a população está subestimada. O número de pessoas que residem nas ruas é muito maior. 

O padre Júlio Lancelotti está coberto de razão. Sem poder arcar com os custos de aluguéis, resta ao cidadão o espaço público, espécie de “vazio urbano que se transforma em moradia, espaço criado para construir suas experiências e vivências, lugar de vida para aqueles que não tem lugar numa sociedade” comenta o Arquiteto Antônio Busnardo Filho, professor e pesquisador em Teoria e Crítica da Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Em resumo: a rua é um lar e, ao retirar seus pertences e jogar jatos de água, a zeladoria obedece a ordens de secretarias e do prefeito. Tem ordens para limpar o lugar, destroem a casa de alguém.  Neste caso em especial, a prática adotada pela Prefeitura de São Paulo “para aqueles que não têm lugar na sociedade”, pretendia desencorajar o abrigo de pessoas sem abrigo. Esconder cidadãos miseráveis dos olhos das pessoas no lugar de acolhê-los? Transformá-los em invisíveis sociais? Como pode? Isso é inaceitável. Se um agente público coloca pedras sob um viaduto para afastar “mendigos”, é porque nem ele acredita mais na eficácia das políticas públicas sociais adotadas pela atual gestão municipal. 

Quem são estas pessoas? São cidadãos paulistanos sem condições de acesso a programas de renda, saúde, moradia, educação e trabalho. Os chamados “mendigos” abrigam-se onde podem se abrigar. Trata-se de um público que encontra-se em condições de extrema pobreza, quando não de miséria. São pessoas que podem apresentar comprometimentos mentais e dependência química e que demandam tratamento no âmbito da saúde. Em alguns casos são famílias que, ou foram constituídas na rua, ou são recém-chegadas à rua e encontram-se nesta situação por estarem desempregadas, desocupadas, sem renda para custear seus lares. A formulação de políticas públicas para inclusão e reintegração de grupos sociais formados por cidadãos (crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias inteiras) que recorrem à sobrevivência por meio da mendicância requer urgência do prefeito de São Paulo. São seres humanos que precisam da atenção dos agentes públicos para se reintegrarem à sociedade. Nenhum deles escolheu morar nas ruas, tampouco escolheu não ter acesso aos seus direitos como cidadão. Aguardo ansiosamente que, ao retirar as pedras sob o viaduto, o prefeito de São Paulo Bruno Covas mostre que tem vontade política de enfrentar as complexas questões que levam à exclusão social e à miséria milhares de paulistanos. Que apresente aos mais de 24 mil cidadãos em situação de rua que ele está empenhado em resgatar a dignidade e os direitos desse grupo formado por pessoas e famílias em situação socialmente vulnerável.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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