Uma década depois, como são as áreas para a ‘fruição pública’ previstas pelo Plano Diretor de São Paulo?
Estes espaços se apresentam de diversas formas: pisos e mais pisos, gramados e jardins, mesinhas e bancos dos cafés das áreas de alimentação; parece bom, mas falta o projeto de ambientes para o uso do cidadão
Substituir os jardins sem graça e os estacionamentos para poucos veículos que ocupam os recuos existentes nos edifícios multifuncionais, traria benefícios ambientais e urbanos para toda a população. A proposta vale para qualquer cidade grande. Dez anos depois, as áreas de fruição pública se apresentam de diversas formas: pisos e mais pisos, gramados e jardins, mesinhas e bancos dos cafés das áreas de alimentação. Parece bom, mas falta o projeto de ambientes para o uso do cidadão. As pessoas não saem de casa apenas para comer e circular. Eles desejam pequenos ambientes para poder ficar. Espaços livres nos andares térreos dos edifícios multifuncionais ou de uso misto, poderiam ser concebidos por empresas que trabalham os negócios da construção civil como áreas destinadas ao cidadão como contrapartida aos incentivos públicos existentes nos Planos Diretores de grandes cidades brasileiras, dentre elas, São Paulo. A contratação de serviços profissionais na elaboração de projetos de arquitetura paisagística é capaz de oferecer à cidade, ambientes e áreas capazes de integrar os espaços livres proporcionados pelos recuos obrigatórios que existem nas propriedades privadas às calçadas, ruas e à vida pública. Empreendimentos, cidadãos e governos seriam beneficiados com a melhoria da qualidade urbana a partir de uma simples mudança de conceito.
Basta andar pelas ruas mais movimentadas das grandes cidades. Localizadas em eixos de transporte público, bancos, edifícios de escritórios, empresas que prestam serviços diversos, apresentam muros que separam o lado de dentro do lado de fora da propriedade, evitando qualquer tipo de contato ou possibilidade de integração. A cultura do muro encontra-se arraigada em nossa sociedade. Isoladas nos lotes, as torres altas rodeadas de áreas livres e sem serventia, são, no mínimo, questionáveis funcionalmente: apenas existem para expor, aos pedestres que circulam em estreitas calçadas, o quão residuais e inúteis são para a cidade e para as pessoas. Revisitando material e imagens de algumas aulas antigas, pude conferir conteúdos sobre boas práticas de projeto de arquitetura paisagística. Naquele momento, percebi o quão incapazes as construções contemporâneas, frutos de negócios vinculados ao “ecossistema imobiliário”, são, em prover espaços livres qualificados, integrados aos espaços públicos e projetados para atender às pessoas que, eventualmente, estejam passando por eles. Além de circular e locomover-se de uma lugar para outro, pessoas desejam bem mais do que isso quando saem de suas casas. Querem sentir-se bem, confortáveis e acolhidas.
Resido em uma área que a Prefeitura de São Paulo denomina Eixo de Estruturação da Transformação Urbana e que está recebendo novas construções. Nela, foi previsto pelo Plano Diretor Estratégico (PDE), o PL 688/13, o uso misto de edificações ao longo das avenidas por onde circulam o transporte coletivo público e encontram-se estações de trens e metrô. Essa ação foi tomada para estimular a convivência do uso habitacional com outros usos, como serviços, comércio, institucional e serviços públicos, de modo a proporcionar a maximização e racionalidade no uso da infraestrutura implantada. Para conseguir alcançar o objetivo, foram propostos parâmetros urbanísticos denominados “fachada ativa” (sabe aquela rua que tem pequenas vitrines, portas, janelinhas e comércios de bairro?) e “fruição pública” (sabe aqueles lugares gostosos de ficar, com banquinhos e sombra?), que visam potencializar a vida urbana nos espaços e passeios públicos no dia a dia das pessoas.
Cerca de uma década depois de promulgada a Lei nº 16.050, que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2029 (Plano Diretor Estratégico), é possível vivenciar, na cidade, alguns de seus impactos no dia a dia a partir das novas construções. As novas torres multifuncionais, destacam-se na paisagem com suas dezenas de andares. As áreas construídas para fruição pública além daquelas destinadas às fachadas ativas nos térreos comerciais, materializam e expõem uma mesquinhez espacial e deficiência projetual que deveriam envergonhar todos os profissionais envolvidos no conjunto da obra. A lei para incentivar o uso dos andares térreos para uso público existe: mas, o que predomina, são ajardinamentos medíocres, sem composição espacial adequada para acolher pessoas comuns, inviabilizando a apropriação e usos humanos. Ou seja, são áreas insignificantes e mortas para a vivência pública. Para que servem então? Qual a razão para serem construídas desta maneira?
Não foi sempre assim. As aulas que ministrei décadas atrás mostram projetos geniais de arquitetos paisagistas brasileiros que não precisavam de incentivos e regulamentações urbanísticas para desenvolver projetos de alta qualidade urbanística. O que foi que aconteceu? A pergunta vale para todos os envolvidos nas práticas da construção civil e incorporação. Leis existem. Incentivos públicos também, e, aos montes. Porque não se constroem lugares de uso público que integram a rua à propriedade privada voltados ao bem-estar das pessoas? Graças ao reduzido espaço destinado ao texto da coluna, escolhi apenas um dos inúmeros projetos que apresento em aula. Sob meu ponto de vista, é quase um “clássico”. O lugar continua, duas décadas depois, lindo. A imagem que ilustra a coluna é do Brascan Century Plaza (São Paulo, 2002), cujo projeto de arquitetura paisagística é assinado pelo arquiteto paisagista Benedito Abbud e o projeto de arquitetura por Königsberger Vannucchi Arquitetos Associados LTDA.
Ao caminhar pelo local, as calçadas públicas, praças e circulações internas confundem-se de tal forma, que fica difícil distinguir onde termina a área pública e onde começa a propriedade do empreendimento. Isto é bom porque você se sente acolhido. Os pisos drenantes levam todo o volume de águas provenientes das chuvas para o lençol freático em vez de sobrecarregar as galerias pluviais e gerar enchentes. Os jardins com arbustos, forrações e árvores como Pau-Brasil e Sibipiruna estão distribuídas por todo o local, permitindo à população que por ali passa, a possibilidade de parar, descansar, comer algo, ver pessoas por alguns minutinhos em ambientes confortáveis, rodeados de plantas, sombras, espelhos d’água, esculturas e brinquedos. É possível desestressar. Consumir e comprar não é o objetivo. São lugares cheios de vida em um empreendimento particular multifuncional.
Os regulamentos urbanos favoráveis à criação de novas áreas de uso público, os incentivos para sua ampliação e todas as facilidades oferecidas pelo poder público à iniciativa privada, não eram tão abundantes e, em determinadas situações, sequer existiam. E, apesar disso, ao internalizar os conceitos de qualidade de vida urbana e qualidade ambiental incorporando-os aos projetos, foram constituídas paisagens mais significativas aos usuários, capazes de prover melhoria na qualidade física e mental dos cidadãos conferindo versatilidade e vivacidade a todos os ambientes que compõem o local. Espero, para o bem dos cidadãos e da cidade, que as empresas e profissionais que compõem o ecossistema imobiliário ao qual me referi anteriormente, internalizem os conceitos de qualidade de vida urbana e ambiental em suas obras e não apenas nos folders distribuídos nos stands de vendas de seus empreendimentos. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas”
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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