Você compra alimentos produzidos por fazendeiros urbanos?

Hortaliças, legumes, temperos e ervas medicinais vêm caindo no gosto popular e tornando-se uma opção entre os consumidores das grandes cidades brasileiras

  • Por Helena Degreas
  • 05/04/2022 09h00 - Atualizado em 05/04/2022 13h41
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A foto retrata uma área verde repleta de árvores frutíferas, arbustos e ervas plantadas no chão de terra e algumas em vasos. A Horta das Corujas foi criada em espaço público no interior de uma praça pela comunidade moradora do bairro de Pinheiros, em São Paulo

Conhecida como agricultura urbana, a produção de hortaliças, legumes, temperos e ervas medicinais vem caindo no gosto popular e tornando-se uma opção entre os consumidores das grandes cidades brasileiras. Mais do que uma modinha, a utilização de espaços urbanos ociosos pode ser parte da solução para duas questões que atormentam a vida das pessoas: a insegurança alimentar e a urgência nas ações que levem à descarbonização do planeta, colaborando na redução das consequências resultantes dos extremos climáticos.

Após um longo período marcado pela recessão econômica ainda em 2001, o polo agrícola de Santa Fé, na Argentina, produzia soja para exportação e dependia da importação de produtos agrícolas cultivados com uso de agrotóxicos para atender à demanda interna de alimentos. Em 2002, como consequência do empobrecimento da população, foi criado o Programa de Agricultura Urbana, que definiu a agricultura urbana como produção que viabiliza a subsistência econômica e alimentar da população. Para garantir o sucesso do programa, a prefeitura ofereceu o treinamento necessário para a produção agroecológica e forneceu as ferramentas, sementes e demais insumos para o cultivo de alimentos sem o uso de pesticidas e demais produtos químicos. O programa identificou lotes pequenos, terrenos ociosos ou subutilizados de propriedade pública e privada em bairros e distritos, colaborando, por meio de incentivos fiscais e títulos de propriedade temporários, para o aumento das áreas de plantio e, por consequência, da produção de alimentos frescos.

Ao estabelecer os locais de venda, distribuindo-os por toda a cidade, a prefeitura viabilizou a comercialização e o abastecimento local de frutas, hortaliças, temperos, ervas, compotas, doces, cosméticos ou, ainda, uma rica produção local realizada muitas vezes em casa, de alimentos cultivados nas cidades. Com preços competitivos, o programa garantiu a alimentação da população com produtos saudáveis, gerou empregos e renda para aqueles que estavam fora do mercado de trabalho e, de quebra, reduziu a produção de CO² ao eliminar atravessadores, que, com suas vans, caminhões e automóveis, escoavam a produção, percorrendo centenas de quilômetros entre o local de origem e o destino da venda. Em 2002, o programa alcançou cerca de 75 hectares na cidade, incluindo sete hortas urbanas institucionais. Terrenos antes ociosos e quintais vazios, ainda hoje sustentam famílias, abastecem cidadãos e descarbonizam as cidades.

Apesar da existência de programas e legislação que apoiam a agricultura urbana em cidades e capitais brasileiras, o assunto ainda tem pouco reconhecimento do público e dos agentes políticos como atividade econômica e ambiental quando comparada aos incentivos destinados ao agronegócioDados oficiais incompletos ou antigos e sequências históricas truncadas dos órgãos que deveriam fornecer informações atualizadas e confiáveis de produtores, cooperativas e demais agentes de comercialização e distribuição locais de alimentos saudáveis atuam como empecilhos para a constituição efetiva de um sistema de ações eficazes.

A falta de informação confiável construída em dados e ciência inviabiliza a produção agrícola dentro das cidades, gerando a sensação de que a produção urbana é inviável economicamente. Dados constroem ações eficazes que são capazes de ampliar o conhecimento sobre a produção agroecológica intraurbana e, com isso, esclarecer os incentivos e subsídios necessários aos novos fazendeiros urbanos. Para fazer valer os programas existentes há anos é preciso que os senhores prefeitos e demais entes federativos eleitos por nós manifestem alguma vontade política, pois programas que existem somente no papel, por não fazerem parte da agenda de interesses dos senhores entes federativos, não acontecem. 

Sejam horas urbanas, quintais domésticos produtivos, hortas escolares, hortas comunitárias (como a que ilustra a coluna) cuidadas por vizinhos, fazendas verticais, hortas institucionais implantadas em terrenos públicos geridas pelas prefeituras, hortas em condomínios residenciais, em tetos de estabelecimentos comerciais, em restaurantes e até em varandinhas de apartamentos como o meu, o fato é que hoje todas elas se estabeleceram e são parte integrante da cultura contemporânea da população — como sempre foram em nossas raízes rurais. Cabe aos senhores prefeitos o papel de incentivar e aprimorar o processo de produção, abastecimento, distribuição não apenas dos alimentos produzidos pela agricultura urbana, setor que movimenta a economia e traz benefícios ambientais, mas também identificar e fomentar toda a cadeia produtiva que tem impactos positivos nas atividades de renda, saúde, regulação e uso do solo urbano, na geração de empregos, na redução do lixo orgânico, na permeabilidade do solo, na manutenção de nascentes e rios urbanos, além da segurança alimentar e descarbonização do planeta.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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