Você sabia que existe uma lei que garante assistência técnica gratuita de reformas para pessoas de baixa renda?

Dispositivo é importante instrumento para a melhora da qualidade de vida da população que mora nas grandes periferias das cidades brasileiras

  • Por Helena Degreas
  • 29/03/2022 10h00 - Atualizado em 29/03/2022 11h04
Arquivo Pessoal/Helena Degreas Fotografia de moradias construídas em áreas de risco Para conter o déficit habitacional, são necessárias cerca de seis milhões de novas moradias, além de melhorias em cerca de 25 milhões de habitações inadequadas

Em dezembro de 2008, foi promulgada a Lei nº 11.888, que assegura às famílias com renda mensal de até três salários-mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, o direito à assistência técnica pública e gratuita para a elaboração de projeto e construção de edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária da habitação de habitação de interesse social (ATHIS) para sua própria moradia. Desde a Constituição de 2000, a moradia passa a ser juntamente com a educação, saúde, transporte, lazer, trabalho e alimentação, um direito social cabendo, aos entes federativos, a sua implementação.

A assistência técnica gratuita é um direito da população e deve ser reivindicado por ela. Não se trata de um favor deste ou aquele governo, organização ou associação. Está previsto em lei. Apesar de sua importância, até o ano de 2021 um levantamento realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) Brasil em 2021 apontou que apenas 20 município distribuídos em 10 estados e Distrito Federal contam com leis específicas que preveem programas de moradia direcionados à população mais carente com Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) para a realização de intervenções. Os números do relatório são pífios, insignificantes para um país que tem 5.568 municípios e um déficit de mais de seis milhões de moradias.

Morar é muito mais do que ter um teto como abrigo. Morar é estar próximo da escola pública, do posto de saúde, do ônibus, do parque e da praça. É ter água na torneira, esgoto tratado, luz, gás e telefone, coleta de lixo ou ainda, a ter disponível este conjunto de infraestruturas, equipamentos públicos e intervenções urbanas que as áreas centrais onde a população mais rica tem à disposição.

A assistência técnica é importante instrumento para a melhora da qualidade de vida da população que mora nas grandes periferias das cidades brasileiras pois pode organizar e disponibilizar profissionais qualificados para realizar, juntamente com técnicos das prefeituras e associações comunitárias planos de urbanização, programas de regularização fundiária, projeto e construção de infraestrutura urbana e equipamentos públicos, projeto e orientação para a construção, ampliação e reforma de imóveis além da capacitação de mão de obra que possibilite a participação (das mais variadas formas, incluindo a autoconstrução) dos membros da comunidade atendida. Os serviços podem ser prestados por escritórios, profissionais autônomos, organizações não-governamentais, cooperativas e associações além das prefeituras ou outras esferas de governo quando incorporadas em suas políticas públicas.

Para conter o déficit habitacional, são necessárias cerca de seis milhões de novas moradias, além de melhorias em cerca de 25 milhões de habitações inadequadas, sendo 11 milhões por problemas de construção. Os dados são da pesquisa Déficit Habitacional e Inadequação de Moradias no Brasil, realizado pela Fundação João Pinheiro realizado a pedido do Ministério de Desenvolvimento Regional, que utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE e do Cadastro Único do Governo Federal até o ano de 2019.

O Distrito Federal criou a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e, entre os anos de 2015 e 2018, constituiu dez Postos de Assistência Técnica que recebem as demandas das comunidades para a instalação de assistência técnica específica para os casos solicitados. Outro caso de sucesso é o Escritório Público de Salvador que desde 2001 já entregou mais de 5 mil projetos de arquitetura social (elaboração do projeto, na regularização da propriedade e do imóvel) para famílias de baixa renda. Criado pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas, funciona em parceria com seis faculdades da capital baiana oferecendo estágio qualificado a futuros arquitetos e engenheiros.

Não é necessário pesquisar muito para saber que a autoconstrução realizada por pedreiros com a colaboração de amigos e vizinhos é a única solução encontrada pela população mais pobre. Se os governos assumissem a assistência técnica como política habitacional, mais de 11 milhões de famílias com renda de até 3 salários-mínimos poderiam contratar os profissionais e escritórios cadastrados que, pagos pelo poder público, viabilizaram reformas, construções novas, regularizações de lotes e imóveis além de planejamento para infraestrutura e equipamentos em áreas não contempladas por estes serviços públicos.

Por que o instrumento legal conhecido por ATHIS não avança no Brasil?

Menos de 1% dos municípios brasileiros adotaram a Lei nº 11.888 como política habitacional direcionada a esse público. A extinção do Ministério das Cidades e a redução dos investimentos do governo federal para a construção de moradias populares pelo governo Bolsonaro transformou a lei em “letra morta”: está escrita no papel, mas é inviável porque não há previsão de recursos para que ela possa ser utilizada pelos cidadãos.

As consequências da falta de vontade política dos representantes eleitos sejam eles governadores, prefeitos ou presidente da república para fazer valer a lei, vem gerando sérios riscos à população. Os deslizamentos, enxurradas e alagamentos provocados pelas tempestades recentes, provocaram centenas de mortes e perdas materiais em diversas cidades brasileiras. Os mais atingidos vem sendo justamente aqueles que moram nas regiões periféricas, locais cujas ocupações encontram-se à margem das regulações urbanísticas quer pelas condições precárias da construção quer pela ocupação inadequada dos terrenos. É provável que muitas mortes e perdas poderiam ter sido evitadas se a assistência técnica tivesse sido implantada pelos estados e municípios desde 2008.

Os cidadãos devem pressionar seus representantes políticos para que a lei saia do papel e venha a beneficiar a população que mais precisa dela. Morar bem é um direito constitucional. A contratação de serviços técnicos gratuitos é um dever de municípios, estados e união.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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